bgranville34_LUDOVIC MARINAFP via Getty Images_macronlepen Ludovic Marin/AFP via Getty Images

Os riscos financeiros das eleições antecipadas em França

LONDRES – Quando o antigo presidente francês Valéry Giscard d’Estaing foi ministro das finanças na década de 1960, descreveu famosamente o estatuto da América enquanto emissor da moeda de reserva mundial como um “privilégio exorbitante”. Mas o seu apodo é igualmente bem aplicado à posição do seu próprio país na união monetária europeia. Apesar dos défices orçamentais persistentemente ampliados, desde há muito tempo que a França consegue obter crédito tão barato como o da fiscalmente prudente Alemanha. O mercado obrigacionista até ignorou a redução de notação apresentada pela S&P relativamente à dívida soberana francesa no fim do mês passado, implicando que a França seria de alguma forma imune à habitual disciplina creditícia. Mas a política interveio.

No seguimento da escalada de apoios para a extrema-direita francesa nas eleições para o Parlamento Europeu deste mês, a decisão abrupta do presidente Emmanuel Macron de dissolver a Assembleia Nacional e de convocar eleições antecipadas deparou-se com uma reacção decididamente negativa do mercado. Mas os investidores podem estar a subestimar a resiliência do privilégio exorbitante da França.

As sementes deste privilégio foram semeadas no Tratado de Maastricht de 1992, que criou uma união monetária sem uma união fiscal. Esse regime exigia uma regra de “não resgate”, para que os países perdulários não se aproveitassem dos membros mais responsáveis em termos fiscais. Mas a crise do euro de 2010-12 expôs a falha fatal deste projecto: se a proibição de resgates significava que o Banco Central Europeu não podia funcionar como prestamista de último recurso, ameaçaria a união monetária e, consequentemente, todo o projecto europeu.

O compromisso resultante articulou-se numa regra fiscal. O BCE prontificou-se a comprar quantidades ilimitadas de obrigações dos estados-membros da zona euro, desde que os seus planos orçamentais fossem consistentes com as regras fiscais definidas e aplicadas pela Comissão Europeia. Entretanto, os polícias fiscais de Bruxelas continuaram bastante complacentes para com os governos franceses. As crises nos países periféricos de menor dimensão, e posteriormente em Itália, foram suficientemente alarmantes. A última coisa que queriam era uma falência semelhante em França, a pedra angular de todo o edifício europeu. Portanto, conceberam um embuste.

Como castigo pelo seu incumprimento rotineiro das regras fiscais, a França integraria uma lista de países malcomportados. De acordo com o “procedimento para défice excessivo”, o governo francês prometeria aumentar o rigor, e a Comissão declarar-se-ia satisfeita. O BCE tinha então cobertura política para comprar obrigações francesas (caso fosse necessário), e isto resultou nos mercados a valorizarem a dívida do governo francês quase tanto como os Bunds alemães, apesar da ausência de qualquer melhoria real na posição fiscal francesa.

Não houve necessidade desta charada quando as regras fiscais da zona euro foram suspensas em resposta à pandemia da COVID-19. Mas as regras (com algumas modificações) foram agora recuperadas, e o défice orçamental francês, nos 5,1% do PIB, nunca esteve tão longe do limiar dos 3%. Portanto, mesmo antes do último choque político, já se esperava que a dança entre Paris e Bruxelas fosse mais delicada do que habitualmente. A França ia ter de se comprometer a reduzir o défice talvez num meio ponto percentual do PIB, e mesmo esse ajuste moderado poderia ter desencadeado um voto de não-confiança ao governo de Macron na câmara baixa do parlamento, onde o seu partido perdeu a maioria nas eleições de 2022.

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Dois anos decorridos, as eleições antecipadas podem mesmo substituir o claudicante governo centrista de Macron por outro, liderado por partidos cujas campanhas abandonaram qualquer pretensão de disciplina fiscal. Tanto as eleições para o Parlamento Europeu como as últimas sondagens mostram que o principal desafio vem do Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen e dos partidos de direita seus aliados, e os mercados financeiros já estão a reagir da mesma forma que fizeram quando em 2017 Le Pen conseguiu pela primeira vez ser uma opção credível de poder.

Nessa altura, Le Pen prometeu abandonar o euro e repor o franco francês, o que teria causado um choque financeiro sistémico. Apesar de ter mais tarde abandonado a ideia de sair da zona euro, ainda abalou os mercados quando se candidatou novamente à presidência em 2022. Não surpreende que os mercados estejam novamente assustados.

Se o Reagrupamento Nacional e os seus aliados ganharem estas eleições, porém, não será do interesse de Le Pen desperdiçar o privilégio exorbitante do país na zona euro. Na verdade, ela terá todos os incentivos para explorá-lo, para suavizar o seu caminho até à presidência em 2027. É por este motivo que o seu primeiro-ministro designado, o carismático Jordan Bardella, de 28 anos de idade, já recuou na promessa feita durante a campanha pelo partido e que envolvia os maiores custos fiscais: a reversão do aumento da idade da reforma (de 62 para 64), que Macron conseguiu impor no ano passado apesar dos protestos públicos.

Portanto, no caso de um governo de direita (que governaria em “coabitação” com Macron), eu esperaria assistir à mesma velha charada fiscal perante Bruxelas, embora com uma maior temeridade retórica, o que perturbaria ainda mais os mercados. E o mesmo se aplicaria a um governo de esquerda eleito com base numa plataforma agressiva de aumento dos impostos e das despesas, já que as receitas provenientes da subida de impostos provavelmente satisfariam a política fiscal europeia.

O desfecho que justificaria mais plenamente os receios do mercado seria um impasse. Se as alianças de direita e de esquerda ganharem cada uma cerca de 200 deputados, ao mesmo tempo que o bloco centrista de Macron se reduza dos 250 mandatos para um máximo de 150, será extremamente difícil formar qualquer tipo de governo, e muito menos um governo estável. Apesar de ser provável que qualquer futuro governo francês acabe por retomar a dança fiscal, são precisos dois para dançar o tango. Um bloqueio político persistente em Paris deixaria Bruxelas sem governo com que interagir, e quanto mais durasse o limbo político, maiores seriam a instabilidade financeira e os prejuízos para a economia europeia.

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