zadek24_DOUGLAS MAGNOAFP via Getty Images_amazondeforestation Douglas Magno/AFP via Getty Images

Dificuldades com os mercados de carbono

GENEBRA – Em janeiro, foi divulgado que até 90% dos créditos de carbono aprovados por uma das maiores certificadoras do mundo podem ser créditos fantasmas, não representando, portanto, reduções reais de carbono na atmosfera. Embora o escândalo possa ter chocado alguns, não deveria ser surpresa para ninguém. Os mercados voluntários de carbono de hoje não são projetados para serem adequados ao fim a que se destinam.

A lógica por trás dos mercados de compensação de carbono é simples e convincente. Se as empresas tiverem de pagar pelas respetivas emissões de dióxido de carbono, terão um forte incentivo para emitir menos e mais dinheiro fluirá para atividades que evitam, reduzem ou eliminam as emissões. Mas se uma parcela tão grande de compensações certificadas tem tão fraca qualidade, então o conceito está claramente a falhar. Tendo em conta a centralidade das compensações para os compromissos das empresas em matéria de zero emissões líquidas, isso não é um bom presságio para a ação climática global.

Para piorar as coisas, os mercados de compensação de carbono mal administrados permitiram o aparecimento dos “cowboys do carbono”. Esses negociantes de crédito de carbono pagam menos às empresas e comunidades no Sul Global que fornecem compensações baseadas na natureza, que depois vendem com uma margem a clientes de países desenvolvidos.

Muitos ativistas climáticos argumentam que qualquer abordagem baseada no mercado é fundamentalmente inadequada, permitindo que as empresas eliminem o CO2  dos seus balanços através da compra de compensações sem realmente reduzirem as emissões. Dessa forma, argumentam os críticos, as empresas evitam a pressão pública e política para transformarem as suas operações e o ritmo da descarbonização, na verdade, diminui.

Mas o problema com o sistema de compensação de carbono não é ele ser baseado no mercado. O problema é a ausência de uma estrutura de governação robusta para garantir que o mercado cumpra o seu propósito público. Mesmo os mercados com reputação contestada, como o financeiro e o farmacêutico, possuem regras que vão além da certificação da qualidade dos produtos comercializados, para garantir alguma responsabilidade por parte dos intervenientes do mercado e, muitas vezes, para definir os preços que podem cobrar.

Os mercados voluntários de carbono, por outro lado, dependem quase exclusivamente de sistemas de certificação privados que supostamente afirmam que uma certa quantidade de gases com efeito de estufa – uma tonelada de CO2 equivalente por crédito de carbono – não entrou na atmosfera ou foi retirada da atmosfera. A certificação tem um papel importante a desempenhar, mas não pode funcionar se não for apoiada por uma estrutura de governação mais ampla. Da mesma maneira que nunca deixaríamos, digamos, alimentos ou produtos farmacêuticos serem regidos exclusivamente por sistemas voluntários de certificação, também não deveremos fazê-lo para as emissões de CO2.

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A boa notícia é que estão em andamento esforços para fortalecer a governação dos mercados voluntários de carbono, tanto a nível nacional como através de iniciativas privadas internacionais, como o Conselho de Integridade para o Mercado Voluntário de Carbono. O grupo de trabalho para os Mercados da Natureza, por sua vez, está a apresentar propostas para uma governação sólida de todos os mercados da natureza, incluindo os mercados de carbono. Mas temos de aumentar o ritmo, a ambição e o impacto desses esforços.

Criar mercados de crédito de carbono e biodiversidade confiáveis e eficazes requer progresso em várias frentes. É necessário um nível mais radical de transparência e responsabilização, para que toda a gente possa ver exatamente que negócios estão a ser feitos e por quem. Os negociantes precisam de estar acreditados, nem que seja para acabar com o fenómeno “cowboys do carbono”. As vozes dos afetados têm de ser ouvidas e as partes interessadas têm de ser visíveis. Isso fornecerá importantes sinais de qualidade ao mercado, reduzindo a conveniência e a valorização de compensações de má qualidade e certificações ineficientes, e protegendo ao mesmo tempo os direitos humanos.

Também é altura de estabelecer uma política de preços mínimos, a fim de desencorajar compensações e intervenientes de fraca qualidade e promover resultados mais equitativos, principalmente para o Sul Global, povos indígenas e comunidades locais.

Por fim, as disposições de governação internacional têm de ser atualizadas. Os princípios e as diretrizes não são suficientes para garantir a exclusão de produtos de fraca qualidade, negócios desiguais, comerciantes desonestos e, de forma mais ampla, mercados que não cumpram os padrões mínimos acordados.

Em todas essas áreas, conceber soluções promissoras, implementar programas-piloto e dimensionar iniciativas bem-sucedidas seria relativamente simples. Tais esforços devem basear-se em plataformas e iniciativas existentes que reúnam intervenientes do mercado, sociedade civil, representantes de povos indígenas e de comunidades locais, especialistas e governantes. As ferramentas digitais, como os chamados contratos inteligentes, podem acelerar o progresso, sobretudo quando se trata de aumentar a transparência e a responsabilidade.

Acertar nos mercados de crédito de carbono e biodiversidade é um fator determinante para alcançarmos os nossos objetivos climáticos, de natureza e de desenvolvimento mais vastos. Se não o fizermos, essas metas poderão tornar-se inalcançáveis. Na verdade, sem uma reforma abrangente, é mais provável que esses mercados se tornem parte do problema.

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