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O próximo confronto do Trumpverso

CAMBRIDGE – Embora Donald Trump tenha chegado ao cargo com um tsunami de hostilidade pública contra as “elites”, seus apoiadores são, eles próprios, membros importantes do establishment e plutocracia. Como aconteceu durante seu primeiro mandato, Trump - empresário rico e celebridade - se cercou de uma mistura de políticos republicanos convencionais, financistas de Wall Street e nacionalistas econômicos. Mas, desta vez, a esses grupos se juntaram membros da direita tecnológica, representados de forma mais evidente por Elon Musk, a pessoa mais rica do mundo.

O que une esses grupos, pelo menos por enquanto, não é o caráter de Trump ou sua liderança - ambos deixam muito a desejar. Em vez disso, é a crença de que suas agendas específicas serão melhor atendidas com Trump do que com a alternativa mais provável. Os republicanos conservadores querem impostos baixos e menos regulamentação, enquanto os nacionalistas econômicos querem fechar o déficit comercial e restaurar a produção dos EUA. Os absolutistas da liberdade de expressão querem acabar com o que consideram “censura woke” (“woke”, de “acordado” em inglês, é um termo usado com conotação negativa tanto pela direita quanto pela esquerda para se referir a movimentos preocupados com questões de justiça social e racial), enquanto a direita tecnológica quer ter liberdade para implementar sua própria visão do futuro.

Independentemente de seus projetos de estimação, todos esses grupos consideravam Kamala Harris (e Joe Biden) um obstáculo e Trump um aliado promissor. A maioria não se opõe à democracia por si só, mas parece disposta a ignorar e, portanto, facilitar o autoritarismo de Trump, desde que sua agenda esteja sendo atendida. Pressione-os sobre os impulsos antidemocráticos de Trump e o desprezo pelo Estado de direito, e eles se equivocarão ou minimizarão os riscos.

Durante o primeiro mandato de Trump, eu dividi minhas preocupações sobre ele com um de seus principais consultores econômicos (um nacionalista econômico). Mas meu interlocutor ignorou minhas preocupações e argumentou que os democratas e o Estado administrativo eram as ameaças mais sérias. Em última análise, ele estava interessado no compromisso de seu chefe com as tarifas, e não em qualquer uma das possíveis consequências para a democracia.

Da mesma forma, num episódio recente do podcast do jornalista do New York Times Ezra Klein, o absolutista da liberdade de expressão Martin Gurri explicou que seu próprio apoio a Trump foi motivado principalmente pela repressão do governo Biden à liberdade de expressão. Biden havia “basicamente dito às plataformas [de mídia social]: Vocês têm que aderir aos padrões europeus de bom comportamento online”, afirmou Gurri. No entanto, as restrições que Trump impôs ao discurso de funcionários públicos e de entidades privadas financiadas pelo governo já são muito mais flagrantes. Mesmo admitindo que Trump pode acabar “sendo ainda pior”, Gurri parece não se incomodar. Quando chega a hora do aperto, aparentemente é mais importante dizimar a cultura woke do que defender a Primeira Emenda.

Com os apoiadores da elite de Trump priorizando suas próprias agendas restritas em detrimento dos princípios democráticos, o risco de um deslize em direção ao autoritarismo deveria ser óbvio. Felizmente, porém, o resultado ainda mais provável é que essas agendas concorrentes logo entrarão em conflito, fazendo com que a coalizão de Trump imploda.

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As linhas de conflito mais nítidas são entre os nacionalistas econômicos e a direita tecnológica. Ambos os campos se consideram antissistema e querem interromper um regime que, segundo eles, foi imposto a eles pelas elites do Partido Democrata. No entanto, eles incorporam visões muito diferentes dos Estados Unidos e do rumo que devem tomar.

Os nacionalistas econômicos querem voltar a um passado mítico marcado pela glória industrial americana, enquanto o campo tecnológico prevê um futuro utópico administrado por IA. Um é populista, o outro é elitista. Um tem fé na sabedoria e no bom senso das pessoas comuns, o outro apenas na tecnologia. Um quer acabar com a imigração em geral, o outro dá as boas-vindas aos recém-chegados qualificados. Um é provinciano, o outro é essencialmente globalista. Um quer acabar com o Vale do Silício, o outro quer fortalecê-lo. Um acredita em baixar a bola dos ricos, o outro em enchê-la.

Os nacionalistas-populistas afirmam falar em nome das pessoas que a revolução tecnológica imaginada por Musk deixaria para trás. Portanto, não é de surpreender que eles tenham um profundo desprezo pelos “tecnofeudalistas”  do Vale do Silício”. Steve Bannon, uma das principais vozes entre os nacionalistas econômicos (e formado pela Harvard Business School, é claro), chegou a chamar Musk de “imigrante ilegal parasita”. Musk e o que ele representa devem “ser detidos”, alerta Bannon. “Se não o detivermos (...) agora, ele destruirá não apenas este país, mas também o mundo”.

Embora Bannon não trabalhe atualmente no governo Trump, ele é uma figura importante no movimento MAGA (“Make America Great Again”; em inglês, “Faça a América Grande de Novo”) e mantém laços estreitos com muitos dos principais funcionários do governo. No entanto, está claro que Musk tem hoje o ouvido de Trump. A Casa Branca deu rédea solta ao chamado Departamento de Eficiência Governamental (Department of Governmental Efficienty - DOGE, na sigla em inglês) de Musk, e o próprio Trump incentivou Musk a ser mais agressivo.

É típico de líderes personalistas, como Trump, colocar aliados (cortesãos, na verdade) uns contra os outros para que nenhum deles acumule muito poder. Trump, sem dúvida, acha que pode se manter no topo e aproveitar os conflitos para beneficiar a si próprio. Mas essas táticas funcionam melhor quando a competição entre diferentes grupos é por recursos públicos e aluguéis, em vez de refletir diferentes ideologias e sistemas de crenças.

Dadas as visões de mundo e preferências políticas muito diferentes das forças que animam o governo Trump, um confronto é praticamente inevitável. Mas o que aconteceria depois? Haverá paralisia ou um dos grupos afirmará seu domínio? Os democratas conseguirão capitalizar a divisão? O Trumpismo será desonrado? As perspectivas para a democracia americana serão revividas ou diminuirão ainda mais?

Independentemente do resultado, a tragédia é que os eleitores menos instruídos da classe trabalhadora que aderiram à mensagem antielitista de Trump continuarão sendo os perdedores. Nenhuma das alas concorrentes da coalizão de Trump oferece uma visão convincente para eles. Isso se aplica até mesmo aos nacionalistas econômicos (apesar de sua retórica), cujas aspirações dependem de um renascimento irrealista dos empregos na indústria.

À medida que diferentes elites lutam por suas próprias versões dos Estados Unidos, a agenda política urgente necessária para criar uma economia de classe média numa sociedade pós-industrial permanecerá mais distante do que nunca.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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