CAMBERRA - Apesar aprovação tardia do Conselho de Segurança das Nações Unidas da missão de pacificação do Enviado Especial da ONU, Kofi Annan, na Síria, a confiança numa cooperação séria ou sustentada por parte do presidente sírio, Bashar al-Assad, continua a ser diminuta e os apelos à intervenção militar externa continuam. Enquanto a crise da Síria vai de mal a pior, aqueles que preconizam o recurso à força armada estão a invocar tanto a tragédia da inércia no Ruanda e na Bósnia na década de 1990, como o triunfo da acção internacional decisiva na Líbia, no ano passado.
As propostas cobrem todo o espectro, desde a definição de zonas de exclusão aérea, zonas-tampão, "zonas de não matar", refúgios seguros e corredores humanitários protegidos para armar o Exército Livre da Síria para combater o regime de Assad. Outros ainda preconizam a invasão aberta para derrubá-lo. A questão angustiante para aqueles que acreditam que a comunidade internacional tem a responsabilidade de acabar com os crimes contra a humanidade, prende-se não só com o facto de saber se alguma destas opções é efectivamente exequível, mas também de determinar se serão mais prejudiciais do que úteis.
Actualmente, nenhuma opção militar tem qualquer possibilidade de apoio de um Conselho de Segurança da ONU que está ainda em grande parte paralisado por uma reacção contra os excessos da OTAN relativamente ao seu mandato de protecção de civis na Líbia. A única opção militar que recebeu algum apoio concreto internacional até agora - alegadamente de alguns dos vizinhos sunitas do golfo da Síria - foi o armamento de forças de oposição.
Dito isto, se alguma forma de intervenção militar coerciva for a linha de conduta correcta a adoptar para a Síria, o argumento deverá ser apresentado com entusiasmo e persistência. Mas será este um dos casos em que é correcto combater?
Segundo os princípios da responsabilidade de proteger que a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou por unanimidade em 2005, a acção militar coerciva para pôr cobro às atrocidades apenas deverá ser considerada quando os meios pacíficos - desde a persuasão diplomática a sanções e ameaças de processo criminal - se revelem insuficientes. É evidente que a situação na Síria chegou a este limite.
Mas considerar a acção militar não significa aprová-la. Tanto a moral como a prudência obrigam a que vários critérios sejam satisfeitos, antes da aprovação do recurso à força. Tais directrizes ainda não foram formalmente aprovadas pelo Conselho de Segurança ou pela Assembleia Geral, mas o debate da responsabilidade de proteger deu origem a cinco critérios nos últimos dez anos.
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O primeiro critério é o dos danos potenciais a civis: a ameaça é de um tipo e escala que justifica prima facie o uso de força? Contando já com mais de 9.000 mortos na Síria, um número que aumenta diariamente, este critério parece na verdade ter sido satisfeito, embora a violência já não seja tão unilateral como era no início.
O segundo critério, mais subjectivo e difícil de aplicar - e, portanto, não decisivo por si só – trata de determinar se o objectivo principal de qualquer acção militar proposta é deter ou evitar a ameaça a civis. O apoio entusiástico de alguns países do Golfo relativamente à intervenção na Síria pode muito bem ser movido principalmente por outras motivações: um sentimento anti Irão e pró-sunita.
Em terceiro lugar, há a questão do último recurso: terão sido exploradas todas as opções não-militares, tendo-se concluído que não seriam bem-sucedidas? O debate a este respeito continua e poderá demorar algum tempo até que se chegue a uma conclusão. Não há grandes expectativas de que as capacidades de negociação de Annan, mesmo tendo agora o apoio do Conselho de Segurança, consigam resolver a crise síria, como o fizeram na sequência das intempestivas eleições presidenciais do Quénia em 2008. E poucos são aqueles que acreditam que as sanções universais ou outras formas não militares de pressão possam pôr cobro à determinação de Assad em destruir os seus adversários.
O quarto critério diz respeito aos meios proporcionais: serão a escala, duração e intensidade da acção militar proposta o mínimo necessário para fazer face à ameaça em questão? Este foi um dos aspectos mais controversos da intervenção na Líbia. O problema com a maioria das propostas de soluções de intervenção "minimalista" - como por exemplo a criação de zonas tampão - é que, nas condições da síria, para as impor é quase certo que será necessária uma guerra total. O mínimo poderá ter que ser o máximo.
O último e o mais importante critério para a intervenção é o balanço das consequências: a intervenção militar será mais prejudicial do que útil? É aqui que o argumento a favor da intervenção militar na Síria encontra maiores dificuldades.
Qualquer militarização adicional na Síria corre o risco de transformar o que já é uma nascente de guerra civil nascente numa guerra total, com baixas numa escala muito maior. Os militares sírios e as milícias apoiadas pelo governo são fortes e irão oferecer uma resistência feroz. As diferenças sectárias na Síria são profundas e há pouca confiança internacional quer na coesão quer nas credenciais democráticas e de direitos humanos da oposição. Uma guerra nesse país poderia inflamar toda a região. E, com a Liga Árabe dividida nessa matéria, qualquer intervenção ocidental está destinada a acender o rastilho em todo o mundo islâmico.
Com todas as opções militares a revelarem-se contraproducentes, a única hipótese impedir a Síria de cair no caos total é a mediação política de Annan. A sua premissa não declarada é a de que um número suficiente de altos cargos do Estado podem ser persuadidos a mudar de rumo, com suficientes saídas de segurança para as figuras mais polémicas, para permitir que a situação se estabilize e que a reforma tenha início.
Mas, para que isso aconteça, a Rússia terá de exercer a sua influência de uma forma muito mais construtiva do que o tem feito até agora. Trata-se de uma pequena réstia de esperança para o povo sírio, mas infelizmente é a única que existe.
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At the end of a year of domestic and international upheaval, Project Syndicate commentators share their favorite books from the past 12 months. Covering a wide array of genres and disciplines, this year’s picks provide fresh perspectives on the defining challenges of our time and how to confront them.
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CAMBERRA - Apesar aprovação tardia do Conselho de Segurança das Nações Unidas da missão de pacificação do Enviado Especial da ONU, Kofi Annan, na Síria, a confiança numa cooperação séria ou sustentada por parte do presidente sírio, Bashar al-Assad, continua a ser diminuta e os apelos à intervenção militar externa continuam. Enquanto a crise da Síria vai de mal a pior, aqueles que preconizam o recurso à força armada estão a invocar tanto a tragédia da inércia no Ruanda e na Bósnia na década de 1990, como o triunfo da acção internacional decisiva na Líbia, no ano passado.
As propostas cobrem todo o espectro, desde a definição de zonas de exclusão aérea, zonas-tampão, "zonas de não matar", refúgios seguros e corredores humanitários protegidos para armar o Exército Livre da Síria para combater o regime de Assad. Outros ainda preconizam a invasão aberta para derrubá-lo. A questão angustiante para aqueles que acreditam que a comunidade internacional tem a responsabilidade de acabar com os crimes contra a humanidade, prende-se não só com o facto de saber se alguma destas opções é efectivamente exequível, mas também de determinar se serão mais prejudiciais do que úteis.
Actualmente, nenhuma opção militar tem qualquer possibilidade de apoio de um Conselho de Segurança da ONU que está ainda em grande parte paralisado por uma reacção contra os excessos da OTAN relativamente ao seu mandato de protecção de civis na Líbia. A única opção militar que recebeu algum apoio concreto internacional até agora - alegadamente de alguns dos vizinhos sunitas do golfo da Síria - foi o armamento de forças de oposição.
Dito isto, se alguma forma de intervenção militar coerciva for a linha de conduta correcta a adoptar para a Síria, o argumento deverá ser apresentado com entusiasmo e persistência. Mas será este um dos casos em que é correcto combater?
Segundo os princípios da responsabilidade de proteger que a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou por unanimidade em 2005, a acção militar coerciva para pôr cobro às atrocidades apenas deverá ser considerada quando os meios pacíficos - desde a persuasão diplomática a sanções e ameaças de processo criminal - se revelem insuficientes. É evidente que a situação na Síria chegou a este limite.
Mas considerar a acção militar não significa aprová-la. Tanto a moral como a prudência obrigam a que vários critérios sejam satisfeitos, antes da aprovação do recurso à força. Tais directrizes ainda não foram formalmente aprovadas pelo Conselho de Segurança ou pela Assembleia Geral, mas o debate da responsabilidade de proteger deu origem a cinco critérios nos últimos dez anos.
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O segundo critério, mais subjectivo e difícil de aplicar - e, portanto, não decisivo por si só – trata de determinar se o objectivo principal de qualquer acção militar proposta é deter ou evitar a ameaça a civis. O apoio entusiástico de alguns países do Golfo relativamente à intervenção na Síria pode muito bem ser movido principalmente por outras motivações: um sentimento anti Irão e pró-sunita.
Em terceiro lugar, há a questão do último recurso: terão sido exploradas todas as opções não-militares, tendo-se concluído que não seriam bem-sucedidas? O debate a este respeito continua e poderá demorar algum tempo até que se chegue a uma conclusão. Não há grandes expectativas de que as capacidades de negociação de Annan, mesmo tendo agora o apoio do Conselho de Segurança, consigam resolver a crise síria, como o fizeram na sequência das intempestivas eleições presidenciais do Quénia em 2008. E poucos são aqueles que acreditam que as sanções universais ou outras formas não militares de pressão possam pôr cobro à determinação de Assad em destruir os seus adversários.
O quarto critério diz respeito aos meios proporcionais: serão a escala, duração e intensidade da acção militar proposta o mínimo necessário para fazer face à ameaça em questão? Este foi um dos aspectos mais controversos da intervenção na Líbia. O problema com a maioria das propostas de soluções de intervenção "minimalista" - como por exemplo a criação de zonas tampão - é que, nas condições da síria, para as impor é quase certo que será necessária uma guerra total. O mínimo poderá ter que ser o máximo.
O último e o mais importante critério para a intervenção é o balanço das consequências: a intervenção militar será mais prejudicial do que útil? É aqui que o argumento a favor da intervenção militar na Síria encontra maiores dificuldades.
Qualquer militarização adicional na Síria corre o risco de transformar o que já é uma nascente de guerra civil nascente numa guerra total, com baixas numa escala muito maior. Os militares sírios e as milícias apoiadas pelo governo são fortes e irão oferecer uma resistência feroz. As diferenças sectárias na Síria são profundas e há pouca confiança internacional quer na coesão quer nas credenciais democráticas e de direitos humanos da oposição. Uma guerra nesse país poderia inflamar toda a região. E, com a Liga Árabe dividida nessa matéria, qualquer intervenção ocidental está destinada a acender o rastilho em todo o mundo islâmico.
Com todas as opções militares a revelarem-se contraproducentes, a única hipótese impedir a Síria de cair no caos total é a mediação política de Annan. A sua premissa não declarada é a de que um número suficiente de altos cargos do Estado podem ser persuadidos a mudar de rumo, com suficientes saídas de segurança para as figuras mais polémicas, para permitir que a situação se estabilize e que a reforma tenha início.
Mas, para que isso aconteça, a Rússia terá de exercer a sua influência de uma forma muito mais construtiva do que o tem feito até agora. Trata-se de uma pequena réstia de esperança para o povo sírio, mas infelizmente é a única que existe.