CAIRO – A Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP27) deste mês, no Egito, parece ser um momento decisivo no que certamente será uma década crucial para a ação climática. Enquanto a COP26 em Glasgow, no ano passado, foi apelidada de “COP de finanças”, esta reunião foi apelidada por alguns de “COP de implementação” para refletir o seu foco em traduzir os compromissos de financiamento para planos concretos.
A agenda da COP27 ressalta a necessidade de uma cooperação multilateral mais forte e destaca a urgência de honrar a promessa da comunidade internacional de encerrar as lacunas no financiamento climático no Sul Global. Se isso não se concretizar, dificultará o cumprimento da meta central do Acordo climático de Paris de 2015 de limitar o aquecimento global para bem abaixo dos 2 °C, em relação aos níveis pré-industriais, e tornará os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C quase impossíveis.
É fundamental converter compromissos financeiros em oportunidades de investimento, para fortalecer a resiliência climática em África. Apesar de o continente enfrentar a ameaça quádrupla das alterações climáticas, surtos de doenças, insegurança alimentar e instabilidade política, os países africanos também enfrentam enormes pressões orçamentais que impedem investimentos em larga escala no desenvolvimento económico. Se as lacunas no financiamento não forem resolvidas, elas continuarão a minar a oportunidade do continente de superar a necessidade de tecnologias intensivas em carbono para o progresso no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e dificultar os esforços para evitar a catástrofe climática. As consequências serão sentidas muito além das fronteiras de África.
De acordo com as estimativas recentes da Iniciativa de Política Climática, a lacuna mundial no financiamento climático – a diferença entre o custo total do conjunto das Contribuições Nacionalmente Determinadas ao abrigo do Acordo climático de Paris e o financiamento que os governos podem fornecer com os seus próprios recursos para apoiar a transição para as zero emissões líquidas até 2030 – é de aproximadamente 2,5 biliões de dólares. Além disso, atualmente o financiamento para programas de adaptação climática fica atrás do investimento em medidas de mitigação, apesar da ênfase que o Acordo climático de Paris dá à necessidade de equilibrar os dois.
Mas o défice orçamental de África também reflete os problemas estruturais das economias africanas. Em particular, a pobreza energética prejudicou historicamente a diversificação económica e expôs a região a choques mundiais negativos. A lacuna no financiamento climático do continente equivale a 10% do seu PIB combinado de 2,4 biliões de dólares – mais do dobro dos seus gastos anuais em programas sociais e de saúde – uma vez que os défices crónicos restringiram a capacidade dos governos de expandir o investimento público e atrair capital privado.
Em 2018, o Fundo Monetário Internacional destacou a miríade de desafios que os países da África Subsariana enfrentam para encerrar a lacuna no financiamento, incluindo a necessidade de ampliar a base tributária para aumentar a capacidade de os governos mobilizarem mais receitas a nível interno. Embora tenham sido feitos progressos significativos nas últimas duas décadas, o desempenho da região continua desanimador. O rácio mediano das receitas em relação ao PIB de África é de 20%, em comparação com 28% no leste da Ásia e 42,3% na Europa.
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A lacuna no financiamento foi ampliada pela incidência de dívida soberana, que reflete “prémios de perceção” perniciosos – os riscos demasiado inflacionados que as agências de classificação de crédito atribuem aos países africanos, independentemente das melhorias macroeconómicas ou perspetivas de crescimento desses países. Com os spreads entre os títulos soberanos africanos e os títulos do Tesouro dos EUA agora na casa dos dois dígitos, os pagamentos do serviço da dívida tornaram-se as maiores despesas dos governos africanos. Espera-se que os pagamentos de juros consumam mais de 45% das receitas do governo do Egito neste ano fiscal e absorvam mais de metade das receitas do governo no Gana e no Sri Lanka.
Embora as taxas de juro elevadas desencorajem o investimento, uma vez que estabelecem expetativas de retorno irrealisticamente elevadas, elas também afetam diretamente os gastos públicos. As lacunas no financiamento tendem a obscurecer os horizontes de desenvolvimento dos países, com necessidades urgentes a curto prazo a impossibilitar os investimentos mais importantes a longo prazo, que são necessários para transformar as economias e expandir as oportunidades em benefício das gerações futuras. Honrar os compromissos da dívida externa, por exemplo, ficará sempre à frente do financiamento de projetos de infraestruturas resilientes ao clima.
Mas num mundo inundado de dinheiro, os países não deveriam ter de escolher entre salvar o planeta e preservar o seu acesso aos mercados de capitais. Com 210 biliões de dólares, os ativos financeiros globais valem aproximadamente o dobro do PIB mundial. Uma estrutura inclusiva que fomente a cooperação multilateral entre as principais partes interessadas (governos, doadores, bancos de desenvolvimento e empresas privadas) e promova mecanismos de financiamento inovadores poderia reduzir o risco do investimento para catalisar o financiamento do setor privado. Essa estrutura também tem de melhorar a distribuição global do financiamento ecológico, que até ao momento foi fortemente direcionado para as economias desenvolvidas. No primeiro semestre de 2021, por exemplo, os países de alto rendimento emitiram 76% dos títulos verdes do mundo.
Os governantes e os bancos multilaterais de desenvolvimento podem ajudar a reduzir o risco do investimento em infraestruturas ecológicas, incentivando o uso de instrumentos de financiamento inovadores, como garantias, seguros, financiamento combinado e títulos de crédito. Atrair mais bancos e investidores institucionais aumentaria a participação de África no financiamento climático mundial, que atualmente é de apenas 5,5%.
Se protegerem os investidores contra riscos específicos e reduzirem o risco de perdas, os governantes poderão aumentar essa participação. Da mesma forma, oferecer proteção ao crédito e alargar os vencimentos dos empréstimos ajudaria a alavancar mais capital privado para desenvolver projetos de infraestruturas ecológicas a longo prazo.
Os doadores e credores multilaterais têm um papel crucial a desempenhar na mitigação de perceções de risco demasiado inflacionadas e na criação de incentivos para os investidores financiarem projetos verdes nas economias em desenvolvimento. Através de fundos concessionais aplicados para financiamento combinado e doações, essas partes interessadas poderiam criar posições de primeira perda para melhorar as classificações de portfólio e reduzir o risco dos projetos. À medida que mais investidores forem entrando no mercado de dívida climática, as instituições multilaterais também podem ir aumentando o crédito de títulos verdes, aumentando assim a apetência pelo risco e canalizando “capital paciente” para onde é mais necessário.
Um mercado mundial robusto de carbono promoveria a transparência e incentivaria a descarbonização. Da mesma forma, a capacidade de os bancos multilaterais de desenvolvimento alavancarem os seus recursos financeiros para apoiar um mercado secundário líquido de títulos soberanos de países em desenvolvimento é essencial para colocar as economias africanas no caminho do desenvolvimento sustentável. O nexo entre os ODS e as alterações climáticas é tal que o salto ambiental também pode colocar a região nesse caminho.
O florescente mercado de títulos verdes entrou num ciclo virtuoso de crescimento e está a aproximar-se rapidamente do tão esperado marco de 1 bilião de dólares em investimento verde anual. Mas, para incentivar o financiamento climático equitativo, os investidores têm de evitar os estigmas que há muito atormentam o mercado de rendimento fixo, que ditam que os investidores estrangeiros evitam África ou investem nesse continente apenas com prémios extremamente altos.
O financiamento imparcial é decisivo para vencer a batalha mundial contra as alterações climáticas. Para garantir o desenvolvimento sustentável, temos de encorajar os gestores de ativos a liderar o processo.
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At the end of a year of domestic and international upheaval, Project Syndicate commentators share their favorite books from the past 12 months. Covering a wide array of genres and disciplines, this year’s picks provide fresh perspectives on the defining challenges of our time and how to confront them.
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CAIRO – A Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP27) deste mês, no Egito, parece ser um momento decisivo no que certamente será uma década crucial para a ação climática. Enquanto a COP26 em Glasgow, no ano passado, foi apelidada de “COP de finanças”, esta reunião foi apelidada por alguns de “COP de implementação” para refletir o seu foco em traduzir os compromissos de financiamento para planos concretos.
A agenda da COP27 ressalta a necessidade de uma cooperação multilateral mais forte e destaca a urgência de honrar a promessa da comunidade internacional de encerrar as lacunas no financiamento climático no Sul Global. Se isso não se concretizar, dificultará o cumprimento da meta central do Acordo climático de Paris de 2015 de limitar o aquecimento global para bem abaixo dos 2 °C, em relação aos níveis pré-industriais, e tornará os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C quase impossíveis.
É fundamental converter compromissos financeiros em oportunidades de investimento, para fortalecer a resiliência climática em África. Apesar de o continente enfrentar a ameaça quádrupla das alterações climáticas, surtos de doenças, insegurança alimentar e instabilidade política, os países africanos também enfrentam enormes pressões orçamentais que impedem investimentos em larga escala no desenvolvimento económico. Se as lacunas no financiamento não forem resolvidas, elas continuarão a minar a oportunidade do continente de superar a necessidade de tecnologias intensivas em carbono para o progresso no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e dificultar os esforços para evitar a catástrofe climática. As consequências serão sentidas muito além das fronteiras de África.
De acordo com as estimativas recentes da Iniciativa de Política Climática, a lacuna mundial no financiamento climático – a diferença entre o custo total do conjunto das Contribuições Nacionalmente Determinadas ao abrigo do Acordo climático de Paris e o financiamento que os governos podem fornecer com os seus próprios recursos para apoiar a transição para as zero emissões líquidas até 2030 – é de aproximadamente 2,5 biliões de dólares. Além disso, atualmente o financiamento para programas de adaptação climática fica atrás do investimento em medidas de mitigação, apesar da ênfase que o Acordo climático de Paris dá à necessidade de equilibrar os dois.
Mas o défice orçamental de África também reflete os problemas estruturais das economias africanas. Em particular, a pobreza energética prejudicou historicamente a diversificação económica e expôs a região a choques mundiais negativos. A lacuna no financiamento climático do continente equivale a 10% do seu PIB combinado de 2,4 biliões de dólares – mais do dobro dos seus gastos anuais em programas sociais e de saúde – uma vez que os défices crónicos restringiram a capacidade dos governos de expandir o investimento público e atrair capital privado.
Em 2018, o Fundo Monetário Internacional destacou a miríade de desafios que os países da África Subsariana enfrentam para encerrar a lacuna no financiamento, incluindo a necessidade de ampliar a base tributária para aumentar a capacidade de os governos mobilizarem mais receitas a nível interno. Embora tenham sido feitos progressos significativos nas últimas duas décadas, o desempenho da região continua desanimador. O rácio mediano das receitas em relação ao PIB de África é de 20%, em comparação com 28% no leste da Ásia e 42,3% na Europa.
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Embora as taxas de juro elevadas desencorajem o investimento, uma vez que estabelecem expetativas de retorno irrealisticamente elevadas, elas também afetam diretamente os gastos públicos. As lacunas no financiamento tendem a obscurecer os horizontes de desenvolvimento dos países, com necessidades urgentes a curto prazo a impossibilitar os investimentos mais importantes a longo prazo, que são necessários para transformar as economias e expandir as oportunidades em benefício das gerações futuras. Honrar os compromissos da dívida externa, por exemplo, ficará sempre à frente do financiamento de projetos de infraestruturas resilientes ao clima.
Mas num mundo inundado de dinheiro, os países não deveriam ter de escolher entre salvar o planeta e preservar o seu acesso aos mercados de capitais. Com 210 biliões de dólares, os ativos financeiros globais valem aproximadamente o dobro do PIB mundial. Uma estrutura inclusiva que fomente a cooperação multilateral entre as principais partes interessadas (governos, doadores, bancos de desenvolvimento e empresas privadas) e promova mecanismos de financiamento inovadores poderia reduzir o risco do investimento para catalisar o financiamento do setor privado. Essa estrutura também tem de melhorar a distribuição global do financiamento ecológico, que até ao momento foi fortemente direcionado para as economias desenvolvidas. No primeiro semestre de 2021, por exemplo, os países de alto rendimento emitiram 76% dos títulos verdes do mundo.
Os governantes e os bancos multilaterais de desenvolvimento podem ajudar a reduzir o risco do investimento em infraestruturas ecológicas, incentivando o uso de instrumentos de financiamento inovadores, como garantias, seguros, financiamento combinado e títulos de crédito. Atrair mais bancos e investidores institucionais aumentaria a participação de África no financiamento climático mundial, que atualmente é de apenas 5,5%.
Se protegerem os investidores contra riscos específicos e reduzirem o risco de perdas, os governantes poderão aumentar essa participação. Da mesma forma, oferecer proteção ao crédito e alargar os vencimentos dos empréstimos ajudaria a alavancar mais capital privado para desenvolver projetos de infraestruturas ecológicas a longo prazo.
Os doadores e credores multilaterais têm um papel crucial a desempenhar na mitigação de perceções de risco demasiado inflacionadas e na criação de incentivos para os investidores financiarem projetos verdes nas economias em desenvolvimento. Através de fundos concessionais aplicados para financiamento combinado e doações, essas partes interessadas poderiam criar posições de primeira perda para melhorar as classificações de portfólio e reduzir o risco dos projetos. À medida que mais investidores forem entrando no mercado de dívida climática, as instituições multilaterais também podem ir aumentando o crédito de títulos verdes, aumentando assim a apetência pelo risco e canalizando “capital paciente” para onde é mais necessário.
Um mercado mundial robusto de carbono promoveria a transparência e incentivaria a descarbonização. Da mesma forma, a capacidade de os bancos multilaterais de desenvolvimento alavancarem os seus recursos financeiros para apoiar um mercado secundário líquido de títulos soberanos de países em desenvolvimento é essencial para colocar as economias africanas no caminho do desenvolvimento sustentável. O nexo entre os ODS e as alterações climáticas é tal que o salto ambiental também pode colocar a região nesse caminho.
O florescente mercado de títulos verdes entrou num ciclo virtuoso de crescimento e está a aproximar-se rapidamente do tão esperado marco de 1 bilião de dólares em investimento verde anual. Mas, para incentivar o financiamento climático equitativo, os investidores têm de evitar os estigmas que há muito atormentam o mercado de rendimento fixo, que ditam que os investidores estrangeiros evitam África ou investem nesse continente apenas com prémios extremamente altos.
O financiamento imparcial é decisivo para vencer a batalha mundial contra as alterações climáticas. Para garantir o desenvolvimento sustentável, temos de encorajar os gestores de ativos a liderar o processo.