doerries1_ Stephanie KeithGetty Images_gretathunberg Stephanie Keith/Getty Images

A Tragédia das Mudanças Climáticas

NOVA YORK –  “Como é terrível saber quando, se no final, saber não te servirá de nada”, lamenta o profeta cego Tirésias em Édipo Rei de Sófocles. Édipo o convocou para revelar a fonte da peste e do desastre ecológico que assola Tebas. Mas Tirésias sabia que o rei rejeitaria a verdade. Os cientistas do clima e epidemiologistas de hoje podem se identificar com Tirésias.

Como Tirésias, os cientistas modernos sabem para onde o planeta está se dirigindo e por quê. Descobriram não por meio de profecias, mas por meio de incontáveis ​​experimentos duplo-cegos, testes randomizados e rigorosa revisão por seus pares. Suas evidências são incontestáveis ​​e o consenso entre eles é avassalador. Mas seu secular augúrio não consegue superar a indiferença intencional dos políticos ou do público. Saber nada lhes adianta, porque poucos estão ouvindo.

Se houver uma maneira de os cientistas chegarem às pessoas e seus líderes, a chave será mudar não o que eles dizem, mas como eles o dizem. A linguagem da ciência é desapaixonada por natureza. Em contraste, as múltiplas crises que nosso planeta enfrenta são urgentes e intensas, e as decisões individuais e coletivas que estão alimentando essas crises possuem altos riscos emocionais e éticos. Uma pandemia virulenta tirou a vida de três milhões de pessoas. A Terra está passando por uma sexta extinção em massa. E os problemas irão aumentar.

Precisamos de uma linguagem que transmita a gravidade e a complexidade da tragédia global que se desenrola, e os antigos gregos a oferecem. Suas tragédias são histórias de pessoas que aprendem tarde demais (geralmente por milissegundos). Seus personagens perseguem obstinadamente o que acreditam ser certo, mal compreendendo as forças que enfrentam – acaso, destino, hábitos, governos, deuses, o clima. No momento em que o fazem, os personagens involuntariamente já cometeram um erro irreversível – e devastador.

Durante séculos, as tragédias gregas foram vistas como pessimistas expressões de uma sociedade fatalista, que retratam a futilidade de se lutar contra o destino. Mas, para os gregos, o efeito dessas histórias pode ter sido contraintuitivo. Ao mostrar às pessoas quão estreito e fugaz era seu poder de determinar o próprio futuro, as tragédias desencorajavam a apatia. Destacando como a auto ilusão devastadora pode ser um estímulo à conscientização. E fornecendo a linguagem para descrever experiências difíceis e reforçar o atitude.

Acredita-se que Édipo Rei estreou na primavera de 429 AC –  ou seja, entre a primeira e a segunda ondas de uma peste que matou quase um terço da população ateniense. Para uma comunidade que estava processando traumas compartilhados e questionando até que ponto as perdas seriam inevitáveis, uma caso de arrogante liderança e obstinada cegueira provavelmente a teria sensibilizado.

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Mas não apenas os antigos atenienses foram inspirados pelas tragédias gregas. Na última década, dirigi mais de 1.000 apresentações de peças de Sófocles e seus contemporâneos em lugares aparentemente improváveis, como centros de acolhimento para desabrigados, hospitais, prisões, bases militares, casas de recuperação, centros de idosos e parques públicos em todo o mundo.

Nas discussões após as apresentações, as pessoas da plateia tiveram a chance de expressar os desafios que enfrentaram e os sacrifícios que fizeram. Por exemplo, depois de apresentar a um público de 400 fuzileiros navais dos EUA, cenas de Ajax e Filoctetes de Sófocles – duas tragédias antigas que acontecem durante a Guerra de Tróia – os soldados tipicamente estoicos dos dias modernos foram capazes de se abrir sobre moral, emoção e conflitos espirituais após o retorno da guerra.

Dizer em voz alta o que antes era indizível por si só pode ser desafiador. Mas dar nome a um problema também é o primeiro passo para enfrentá-lo. Mais tarde, muitos membros da plateia me informaram que passaram a exercer o arbítrio em suas próprias vidas, como por exemplo, entrando em um programa de reabilitação de drogas.

Assim como a linguagem da tragédia pode ajudar a provocar mudanças pessoais, também pode estimular mudanças sistêmicas. “As pessoas estão sofrendo”, Greta Thunbergfalou aos líderes mundiais, sua voz cheia de emoção, na Cúpula de Ação Climática das Nações Unidas de 2019. “Pessoas estão morrendo. Ecossistemas inteiros estão entrando em colapso. Estamos no início de uma extinção em massa e vocês só pensam em dinheiro e contos de fadas de crescimento econômico eterno. Como se atrevem!"

Esse poderia ter sido um discurso de uma tragédia grega, um aviso de um profeta desesperado e furioso – alguém que sabe, como todos sabemos, que o desastre está próximo e que temos pouco e precioso tempo para evitá-lo.

Thunberg e muitos de seus colegas ativistas do clima sabem que a linguagem da tragédia é a única maneira de expressar o cataclismo que enfrentamos. Mas, como Thunberg sabe em primeira mão, os jovens podem ser facilmente descartados como excessivamente sensíveis e melodramáticos. É por isso que os adultos – especialmente cientistas e líderes mundiais – precisam urgentemente se juntar ao coro dos jovens e falar na linguagem da tragédia.

Cientistas podem acreditar que qualquer coisa além de declarações qualificadas feitas em tons cuidadosos e moderados minaria a legitimidade de suas descobertas. Mas os humanos são seres emocionais que enfrentam uma crise existencial. A linguagem da tragédia é a nossa melhor – e  possivelmente a última –  chance de abrir os olhos do mundo antes que seja tarde demais.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

https://prosyn.org/2b3gz2lpt