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A diplomacia pode ajudar a reanimar a democracia na Venezuela

CARACAS – As próximas eleições presidenciais na Venezuela, marcadas para 28 de julho, são um momento decisivo para o país. Se o atual presidente, Nicolás Maduro, permanecer no poder e a situação política e económica se mantiver inalterada, a crise migratória venezuelana – a maior do mundo, com mais de 7,7 milhões de pessoas deslocadas – irá agravar-se, com repercussões significativas para os países latino-americanos e para os Estados Unidos, onde as travessias ilegais das fronteiras atingiram um nível recorde.

Contudo, pela primeira vez em muitos anos, a oposição venezuelana, que recentemente se unificou numa extraordinária demonstração de força estratégica e organizacional, tem uma boa hipótese de derrotar Maduro, depois de perseverar diante da repressão e interferência do governo. María Corina Machado, que venceu categoricamente as primárias da oposição em outubro, foi proibida de exercer o cargo com base em acusações de que “apoiava as sanções dos EUA, estava envolvida em corrupção e tinha perdido dinheiro para os ativos estrangeiros da Venezuela”. Quando o seu substituto foi proibido de se juntar à corrida eleitoral, a oposição conseguiu unir-se em torno de outro candidato, o antigo diplomada Edmundo González. Sondagens recentes mostram show González com uma enorme vantagem sobre Maduro.

A determinação da oposição em desafiar um regime autoritário nas urnas transmite um poderoso símbolo de esperança e envia uma mensagem de mudança e reconciliação. Sublinha também a necessidade de apoio estrangeiro para ajudar a assegurar eleições justas e, caso Maduro perca as eleições, garantir uma transferência pacífica de poder. A janela para uma ação diplomática eficaz está a fechar-se rapidamente, o que torna a ação internacional concertada mais urgente do que nunca.

Neste momento crucial, a diplomacia pode desempenhar um papel decisivo. O presidente do Brasil, Lula da Silva, pediu a Maduro, seu aliado de longa data, que leve a cabo umas eleições justas, sinalizando assim seu compromisso com a democracia na região. A intervenção de Lula é ainda mais significativa tendo em conta o papel do Brasil como líder na América Latina, membro fundador da aliança BRICS+ e atual presidente do G20.

A Venezuela candidatou-se a membro do BRICS+, facto que alguns dos seus membros fundadores, entre os quais o Brasil, a África do Sul e a Índia, poderiam aproveitar para insistir que as condições eleitorais não se deteriorem ainda mais e que os resultados das eleições sejam respeitados. Esta medida poderia estabelecer uma negociação efetiva entre a oposição e o regime como condição prévia para aderir ao bloco. Além disso, poderia facilitar uma transição política pacífica, ao dar garantias de segurança ao regime de Maduro, ao mesmo tempo que se alinha com objetivos diplomáticos mais amplos.

Porém, os esforços globais para pressionar o governo venezuelano a permitir eleições livres e a atender à vontade do seu povo não devem parar por aí. A União Europeia e os EUA poderiam oferecer um alívio das sanções e a normalização das relações diplomáticas caso os resultados das eleições venham a ser considerados credíveis. Entretanto, outros países têm diferentes pontos fortes a oferecer: a Colômbia tem uma proximidade geográfica e uma história comum; a Índia, o maior comprador de crude venezuelano nos últimos meses, tem laços petrolíferos; a África do Sul tem o exemplo da sua transição notavelmente pacífica para a democracia; e Espanha tem uma relação muito próxima com a Venezuela.

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Estes países devem insistir na presença de observadores eleitorais internacionais de renome para proteger a integridade das eleições de julho e evitar fraudes em grande escala, sobretudo agora que a Venezuela retirou o convite aos observadores eleitorais da União Europeia. Além disso, no caso de uma vitória da oposição, devem apoiar as negociações para uma transição pacífica nos seis meses entre as eleições e a tomada de posse, prevista para janeiro de 2025.

Nos últimos anos, o governo de Maduro tem estado sob grande pressão. Os EUA acusaram Maduro, oferecem uma recompensa de 15 milhões de dólares norte-americanos por informações que possam levar à sua detenção e emitiram sanções pessoais contra ele e os seus aliados, enquanto o Tribunal Penal Internacional está a investigar possíveis crimes contra a humanidade no país. Mas Maduro continua a exercer uma influência considerável – que se manifesta, por exemplo, no controlo dos tribunais, do congresso e das forças armadas da Venezuela.

Parece, assim, óbvia a necessidade de um processo de transição negociado e inclusivo, especialmente porque a posição precária de Maduro – marcada pela diminuição do apoio interno e pelo aumento das pressões externas – aumenta a probabilidade de este recorrer a medidas drásticas para se agarrar ao poder. Um dos cenários é a possibilidade de Maduro desencadear um conflito territorial com a Guiana para cancelar ou adiar as eleições, colocando em evidência os riscos da inação diplomática. Uma tentativa tão desesperada de inflamar o sentimento nacionalista desestabilizaria a região e frustraria as aspirações democráticas dos venezuelanos.

As muitas transições pacíficas para a democracia na América Latina – frequentemente conseguidas através de uma combinação de eleições, negociações e apoio internacional – podem servir de fonte de inspiração. No Chile, o plebiscito de 1988, apoiado internacionalmente, em que os eleitores rejeitaram a proposta de prolongar a presidência de Augusto Pinochet por mais oito anos, levou ao fim da sua ditadura militar. Em 1990, depois de a candidata da oposição, Violeta Barrios de Chamorro, ter ganho inesperadamente as eleições presidenciais da Nicarágua, monitorizadas internacionalmente, a transição de poder decorreu sem problemas. O Brasil, por sua vez, com o apoio popular e internacional, abandonou o regime militar em meados da década de 1980, o que levou à adoção de uma constituição democrática em 1988.

Talvez o mais importante seja o facto de os venezuelanos terem demonstrado a sua capacidade de conseguir uma mudança pacífica da ditadura para a democracia durante a transição inicial do país, em 1958, embora esta se tenha revelado temporária. Esse mesmo espírito e determinação estão a alimentar a luta atual, mas têm de ser apoiados pela comunidade internacional. Mesmo que Maduro seja derrotado, o regresso ao caminho da democratização não será fácil.

O Brasil, os EUA, a UE e outras democracias não podem permanecer meros espectadores da corrida eleitoral na Venezuela. As eleições que se aproximam são um teste ao seu compromisso com os princípios democráticos. Devem, por conseguinte, aproveitar esta oportunidade para fazer uso da diplomacia, em vez da hostilidade, para incentivar o diálogo, orientar o país para uma reforma pacífica e, muito importante, promover a estabilidade regional e o otimismo numa altura em que ambos são extremamente necessários.

Tradução de Nelson Filipe

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