TELAVIVE - O fracasso da administração Obama, dos seus aliados ocidentais e das várias potências regionais do Médio Oriente, na toma de medidas mais ousadas para pôr fim à carnificina na Síria, é muitas vezes explicado pelo medo que têm da anarquia. Dada a manifesta ineficácia e desunião da oposição síria, diz o argumento, a queda do presidente Bashar al-Assad, quando chegar finalmente, incitará uma guerra civil, os massacres e o caos, o que é susceptível de extravasar as fronteiras da Síria, desestabilizar ainda mais os vizinhos mais fracos, como o Iraque e o Líbano, e levar, talvez, a uma crise regional.
O que está de facto a acontecer na Síria refuta este argumento. Na verdade, a crise prolongada está a corroer o tecido da sociedade e do governo sírios. A anarquia está a instalar-se agora: precede - e precipita - a eventual queda do regime.
Os Estados Unidos, e outros, estão a substituir a alta retórica e a punição simbólica pela acção real, na Síria. As sanções aplicáveis aos envolvidos na guerra electrónica contra os meios de comunicação social da oposição, não são a resposta para o bombardeio de bairros civis em Homs e Deraa.
Durante vários meses, a obstrução russa e chinesa no Conselho de Segurança das Nações Unidas era um obstáculo real a sanções mais eficazes e um véu conveniente para a inacção. Mais recentemente, a missão do ex-secretário geral da ONU, Kofi Annan, em nome da ONU e da Liga Árabe, tem vindo a desempenhar um papel similar.
Annan preparou um plano de seis pontos para acabar com a violência e para lançar negociações políticas. Enviou um grupo de monitores para a Síria, a fim de supervisionar a implementação do plano, e a ONU está prestes a reforçar essa missão. Mas, previsivelmente, o plano de Annan não está a resultar, como o próprio Annan, num relatório para uma sessão à porta fechada do Conselho de Segurança, no dia 25 de Abril, esteve quase a admitir.
Annan não proclamou o fracasso, mas descreveu a situação na Síria como “sombria”. Claramente, a missão Annan deu ao regime algum espaço para respirar e criou uma ilusão temporária de progresso político e diplomático. Mas, de acordo com relatórios muito numerosos e demasiado credíveis para se ignorar, o regime de Assad (e, até certo ponto, os seus adversários) não cumpriu com o plano depois de o assinar: as tropas foram retiradas das áreas urbanas antes da inspecção e regressaram quando os monitores saíram. Bairros inteiros e indivíduos foram brutalmente punidos por reclamarem ou por cooperarem com os monitores.
Mas o espaço para respirar, fornecido ao regime, não oferece a sua salvação. À primeira vista, o regime parece estar quase intacto. O exército e o dispositivo de segurança permanecem leais, o ministério sofreu poucas deserções e os principais centros populacionais de Damasco e de Alepo não aderiram à rebelião.
Mas, no país como um todo, o governo está a entrar em colapso. Áreas inteiras estão agora fora do seu controlo, os serviços públicos não estão disponíveis e a economia está em queda livre.
A queda de Assad ainda não parece iminente, mas tornou-se inevitável. O regime perdeu toda a legitimidade e sua eficácia está a enfraquecer. Quando finalmente desabar, o poderoso estado, construído pelo pai de Bashar, Hafez al-Assad, dificilmente existirá.
Durante a crise na Síria, ouviu-se um cliché: “A Síria não é a Líbia”. Mas uma outra analogia pode ser mais adequada. A Síria pode muito bem tornar-se num segundo Iraque, não por querer, mas devido a consequências não intencionais da actual política.
Os ocupantes norte-americanos do Iraque, através da sua política de “desbaathificação”, deixaram o Iraque sem um exército ou um governo, o que provou ser um terreno fértil para os insurgentes sunitas, para a Al-Qaeda e para os grupos violentos xiitas. Na Síria, o terreno está a ser preparado para um resultado semelhante, com um número crescente de radicais islamistas a atravessar a Síria e a juntar-se à oposição.
Neste contexto, é importante ter em conta a diferença entre a oposição “política” e os grupos de oposição locais que combatem o regime no terreno. Grupos como o Conselho Nacional Sírio são associações livres de indivíduos e de grupos, muitos deles fora da Síria.
Estes são os grupos criticados pela administração Obama, e por outros, pela sua incapacidade de apresentarem uma frente unida, de formularem uma agenda credível, ou de serem vistos como uma alternativa viável ao actual regime. Mas estes grupos têm influência limitada sobre os grupos de oposição locais, dentro da Síria, que são igualmente diversos e divididos.
É entre estes grupos que os radicais islamistas ganharam uma posição. O medo de outro golpe islamista é um segundo argumento principal contra o derrube de Assad, mas quanto mais tempo ele se mantiver no poder, maior os ganhos obtidos pelos islamistas no terreno.
A administração Obama, focada na eleição presidencial de Novembro, não está interessada em ter que lidar com uma grande crise na Síria nos próximos meses e está preocupada com o risco de ser arrastada para um outro enredamento militar. Outros actores também parecem preferir a actual crise aparentemente limitada, às alternativas desconhecidas.
Mas a causa moral convincente para uma intervenção humanitária é cada vez mais reforçada pelas sólidas raisons d'état [razões de Estado]. Além disso, a intervenção militar ou semi-militar não é a única opção em cima da mesa. Tal como as sanções impostas ao Irão fora do Conselho de Segurança demostram claramente, uma acção eficaz pode ser tomada para pender o equilíbrio e acabar com o impasse mortal na Síria. A preferência actual pela inacção, embora talvez compreensível, ameaça levar precisamente aos resultados que os seus defensores querem evitar.
Tradução: Deolinda Esteves
TELAVIVE - O fracasso da administração Obama, dos seus aliados ocidentais e das várias potências regionais do Médio Oriente, na toma de medidas mais ousadas para pôr fim à carnificina na Síria, é muitas vezes explicado pelo medo que têm da anarquia. Dada a manifesta ineficácia e desunião da oposição síria, diz o argumento, a queda do presidente Bashar al-Assad, quando chegar finalmente, incitará uma guerra civil, os massacres e o caos, o que é susceptível de extravasar as fronteiras da Síria, desestabilizar ainda mais os vizinhos mais fracos, como o Iraque e o Líbano, e levar, talvez, a uma crise regional.
O que está de facto a acontecer na Síria refuta este argumento. Na verdade, a crise prolongada está a corroer o tecido da sociedade e do governo sírios. A anarquia está a instalar-se agora: precede - e precipita - a eventual queda do regime.
Os Estados Unidos, e outros, estão a substituir a alta retórica e a punição simbólica pela acção real, na Síria. As sanções aplicáveis aos envolvidos na guerra electrónica contra os meios de comunicação social da oposição, não são a resposta para o bombardeio de bairros civis em Homs e Deraa.
Durante vários meses, a obstrução russa e chinesa no Conselho de Segurança das Nações Unidas era um obstáculo real a sanções mais eficazes e um véu conveniente para a inacção. Mais recentemente, a missão do ex-secretário geral da ONU, Kofi Annan, em nome da ONU e da Liga Árabe, tem vindo a desempenhar um papel similar.
Annan preparou um plano de seis pontos para acabar com a violência e para lançar negociações políticas. Enviou um grupo de monitores para a Síria, a fim de supervisionar a implementação do plano, e a ONU está prestes a reforçar essa missão. Mas, previsivelmente, o plano de Annan não está a resultar, como o próprio Annan, num relatório para uma sessão à porta fechada do Conselho de Segurança, no dia 25 de Abril, esteve quase a admitir.
Annan não proclamou o fracasso, mas descreveu a situação na Síria como “sombria”. Claramente, a missão Annan deu ao regime algum espaço para respirar e criou uma ilusão temporária de progresso político e diplomático. Mas, de acordo com relatórios muito numerosos e demasiado credíveis para se ignorar, o regime de Assad (e, até certo ponto, os seus adversários) não cumpriu com o plano depois de o assinar: as tropas foram retiradas das áreas urbanas antes da inspecção e regressaram quando os monitores saíram. Bairros inteiros e indivíduos foram brutalmente punidos por reclamarem ou por cooperarem com os monitores.
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Mas o espaço para respirar, fornecido ao regime, não oferece a sua salvação. À primeira vista, o regime parece estar quase intacto. O exército e o dispositivo de segurança permanecem leais, o ministério sofreu poucas deserções e os principais centros populacionais de Damasco e de Alepo não aderiram à rebelião.
Mas, no país como um todo, o governo está a entrar em colapso. Áreas inteiras estão agora fora do seu controlo, os serviços públicos não estão disponíveis e a economia está em queda livre.
A queda de Assad ainda não parece iminente, mas tornou-se inevitável. O regime perdeu toda a legitimidade e sua eficácia está a enfraquecer. Quando finalmente desabar, o poderoso estado, construído pelo pai de Bashar, Hafez al-Assad, dificilmente existirá.
Durante a crise na Síria, ouviu-se um cliché: “A Síria não é a Líbia”. Mas uma outra analogia pode ser mais adequada. A Síria pode muito bem tornar-se num segundo Iraque, não por querer, mas devido a consequências não intencionais da actual política.
Os ocupantes norte-americanos do Iraque, através da sua política de “desbaathificação”, deixaram o Iraque sem um exército ou um governo, o que provou ser um terreno fértil para os insurgentes sunitas, para a Al-Qaeda e para os grupos violentos xiitas. Na Síria, o terreno está a ser preparado para um resultado semelhante, com um número crescente de radicais islamistas a atravessar a Síria e a juntar-se à oposição.
Neste contexto, é importante ter em conta a diferença entre a oposição “política” e os grupos de oposição locais que combatem o regime no terreno. Grupos como o Conselho Nacional Sírio são associações livres de indivíduos e de grupos, muitos deles fora da Síria.
Estes são os grupos criticados pela administração Obama, e por outros, pela sua incapacidade de apresentarem uma frente unida, de formularem uma agenda credível, ou de serem vistos como uma alternativa viável ao actual regime. Mas estes grupos têm influência limitada sobre os grupos de oposição locais, dentro da Síria, que são igualmente diversos e divididos.
É entre estes grupos que os radicais islamistas ganharam uma posição. O medo de outro golpe islamista é um segundo argumento principal contra o derrube de Assad, mas quanto mais tempo ele se mantiver no poder, maior os ganhos obtidos pelos islamistas no terreno.
A administração Obama, focada na eleição presidencial de Novembro, não está interessada em ter que lidar com uma grande crise na Síria nos próximos meses e está preocupada com o risco de ser arrastada para um outro enredamento militar. Outros actores também parecem preferir a actual crise aparentemente limitada, às alternativas desconhecidas.
Mas a causa moral convincente para uma intervenção humanitária é cada vez mais reforçada pelas sólidas raisons d'état [razões de Estado]. Além disso, a intervenção militar ou semi-militar não é a única opção em cima da mesa. Tal como as sanções impostas ao Irão fora do Conselho de Segurança demostram claramente, uma acção eficaz pode ser tomada para pender o equilíbrio e acabar com o impasse mortal na Síria. A preferência actual pela inacção, embora talvez compreensível, ameaça levar precisamente aos resultados que os seus defensores querem evitar.
Tradução: Deolinda Esteves