CAMBRIDGE – Há dez anos, Eugene Fama e Robert J. Shiller receberam o Prêmio Nobel de Economia (juntamente com Lars Peter Hansen) “por sua análise empírica dos preços dos ativos”. Fama e Shiller, contudo, têm visões diametralmente opostas sobre os movimentos dos preços dos ativos, desde o que impulsiona as decisões dos atores econômicos até se os mercados são inerentemente eficientes. Quinze anos após a crise econômica global, é um desacordo que vale a pena revisitar.
Fama é membro da Escola de Economia de Chicago, tanto literal – ele é professor da Booth School of Business – quanto intelectualmente. A Escola de Chicago sustenta que os atores econômicos são agentes racionais maximizadores de utilidade, capazes de usar capacidade cognitiva infinita e informações completas em todos os momentos, a fim de tomar decisões que atendam melhor seus interesses materiais. Com sua bastante influente “hipótese do mercado eficiente”, Fama leva isso adiante, postulando que os preços incorporam quase imediatamente todas as informações disponíveis sobre valores futuros e, portanto, refletem com precisão os fundamentos econômicos.
Já Shiller, economista comportamental de Yale, não poderia discordar mais. Adotando uma visão keynesiana dos mercados, ele argumenta que, nos mercados moldados por “espíritos animais”, os atores individuais têm tendências irracionais, que podem ser amplificadas pelo humor coletivo do mercado. Isso às vezes resulta em resultados irracionais e subótimos, como bolhas especulativas de ativos.
O comitê do Nobel justificou a premiação conjunta diferenciando os horizontes temporais aos quais as teorias de fama e Shiller se aplicam. A pesquisa de Fama sugere que os preços dos ativos são extremamente difíceis de se prever no curto prazo (dificultando a manipulação dos mercados financeiros), porque incorporam novas informações muito depressa, enquanto o trabalho de Shiller estabelece que eles são mais previsíveis no longo prazo (tornando as finanças passíveis de manipulação humana).
Shiller, por sua vez, não estava convencido. Em sua opinião, mesmo a própria pesquisa de Fama mostra que os mercados são ineficientes. Mas a lealdade de Fama ao laissez-faire da Escola de Chicago é profunda. Como Shiller disse: “É como ser um padre católico que descobre que Deus não existe ou algo com o qual não dá pra lidar, ou seja, você tem que racionalizar a coisa de alguma forma”.
Sendo assim, Deus existe? Os mercados são dotados de algum poder divino que garanta resultados eficientes? Ou os meros mortais têm que fazer o trabalho duro de garantir o bom funcionamento de seus sistemas e instituições econômicas? Para responder a essas perguntas, devemos nos aventurar no que chamo de “Zona do Crepúsculo da economia”, o domínio ainda mal definido da economia na interface do micro e do macro.
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A visão ortodoxa da Escola de Chicago adere ao chamado individualismo metodológico: os atores econômicos tomam suas decisões de maximização da utilidade de forma totalmente independente uns dos outros e das forças sociais, embora o resultado coletivo sirva ao interesse público. Mas como? Embora o agrupamento de informações individuais contribua para preços mais exatos e, portanto, melhores decisões de alocação de recursos, o mecanismo que transforma inúmeras decisões isoladas e de interesse próprio em benefícios amplamente compartilhados é definido de modo tão claro quanto a alquimia. À parte a “mão invisível” de Adam Smith, uma descrição de como a racionalidade dos mercados excede a de seus atores individuais continua sem dar as caras.
Shiller, por outro lado, oferece uma análise real da relação entre microdecisões e macrorresultados. Segundo a pesquisa dele, a precificação de ativos típica se assemelha a uma espécie de concurso de beleza keynesiano em que os participantes são convidados a selecionar os seis rostos mais bonitos numa centena de fotos, sabendo que a pessoa cujas seleções melhor se alinham com as escolhas mais populares em geral ganhará um prêmio. Nesse contexto, é racional que os participantes ignorem a preferência pessoal e escolham os rostos que acreditam que os outros vão selecionar.
Forças psicológicas semelhantes, explica Shiller, moldam os preços dos ativos, de ações de tecnologia a imóveis. Em 2005, apenas alguns anos antes de uma queda nos preços da habitação nos EUA desencadear a crise financeira global de 2008, Shiller alertou que uma ”exuberância irracional” vinha alimentando uma bolha imobiliária – e seu destino era acabar mal. (Compare isso à explicação de Fama sobre essa crise: “A economia não é muito boa em explicar as oscilações na atividade econômica”.)
Como Shiller explica em seu trabalho mais recente, as narrativas são o fator-chave. As histórias podem fazer com que os humanos se comportem de todas as maneiras e, se forem aceitas como verdade de modo suficientemente amplo, podem moldar os resultados econômicos. É por isso que é essencial considerar as qualidades cognitivas e emocionais dos atores econômicos individuais e os modos como esses atores interagem uns com os outros. A psicologia de grupo é analiticamente distinta da tomada de decisão individual e, nas economias modernas, ninguém decide nada no vácuo.
Enquanto Fama diz que os humanos não podem vencer os mercados, Shiller insiste que são os humanos que fazem os mercados, o que significa que os humanos podem se esforçar para melhorar seu funcionamento. A afirmação em que você crê tem implicações importantes para a teoria econômica e para a regulamentação financeira – desde o quanto ela é apropriada até se os bancos centrais devem tentar identificar e estourar bolhas de preços. Se o Deus que molda o mercado da Escola de Chicago não existe, devemos tratar a economia como uma instituição socialmente construída, criada por e para os humanos, com todos os nossos preconceitos, limitações, valores e moral.
Em seu discurso do Nobel, Shiller explicou que o tema geral de seu trabalho é que precisamos “democratizar e humanizar as finanças”. Se quisermos evitar uma repetição da crise econômica global de 2008 – com todo o sofrimento que ela trouxe – é exatamente isso que devemos fazer. Para fazer isso bem, não devemos ter medo de entrar na zona do crepúsculo econômica. Entender os mercados requer entender a dinâmica social humana.
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At the end of a year of domestic and international upheaval, Project Syndicate commentators share their favorite books from the past 12 months. Covering a wide array of genres and disciplines, this year’s picks provide fresh perspectives on the defining challenges of our time and how to confront them.
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CAMBRIDGE – Há dez anos, Eugene Fama e Robert J. Shiller receberam o Prêmio Nobel de Economia (juntamente com Lars Peter Hansen) “por sua análise empírica dos preços dos ativos”. Fama e Shiller, contudo, têm visões diametralmente opostas sobre os movimentos dos preços dos ativos, desde o que impulsiona as decisões dos atores econômicos até se os mercados são inerentemente eficientes. Quinze anos após a crise econômica global, é um desacordo que vale a pena revisitar.
Fama é membro da Escola de Economia de Chicago, tanto literal – ele é professor da Booth School of Business – quanto intelectualmente. A Escola de Chicago sustenta que os atores econômicos são agentes racionais maximizadores de utilidade, capazes de usar capacidade cognitiva infinita e informações completas em todos os momentos, a fim de tomar decisões que atendam melhor seus interesses materiais. Com sua bastante influente “hipótese do mercado eficiente”, Fama leva isso adiante, postulando que os preços incorporam quase imediatamente todas as informações disponíveis sobre valores futuros e, portanto, refletem com precisão os fundamentos econômicos.
Já Shiller, economista comportamental de Yale, não poderia discordar mais. Adotando uma visão keynesiana dos mercados, ele argumenta que, nos mercados moldados por “espíritos animais”, os atores individuais têm tendências irracionais, que podem ser amplificadas pelo humor coletivo do mercado. Isso às vezes resulta em resultados irracionais e subótimos, como bolhas especulativas de ativos.
O comitê do Nobel justificou a premiação conjunta diferenciando os horizontes temporais aos quais as teorias de fama e Shiller se aplicam. A pesquisa de Fama sugere que os preços dos ativos são extremamente difíceis de se prever no curto prazo (dificultando a manipulação dos mercados financeiros), porque incorporam novas informações muito depressa, enquanto o trabalho de Shiller estabelece que eles são mais previsíveis no longo prazo (tornando as finanças passíveis de manipulação humana).
Shiller, por sua vez, não estava convencido. Em sua opinião, mesmo a própria pesquisa de Fama mostra que os mercados são ineficientes. Mas a lealdade de Fama ao laissez-faire da Escola de Chicago é profunda. Como Shiller disse: “É como ser um padre católico que descobre que Deus não existe ou algo com o qual não dá pra lidar, ou seja, você tem que racionalizar a coisa de alguma forma”.
Sendo assim, Deus existe? Os mercados são dotados de algum poder divino que garanta resultados eficientes? Ou os meros mortais têm que fazer o trabalho duro de garantir o bom funcionamento de seus sistemas e instituições econômicas? Para responder a essas perguntas, devemos nos aventurar no que chamo de “Zona do Crepúsculo da economia”, o domínio ainda mal definido da economia na interface do micro e do macro.
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Shiller, por outro lado, oferece uma análise real da relação entre microdecisões e macrorresultados. Segundo a pesquisa dele, a precificação de ativos típica se assemelha a uma espécie de concurso de beleza keynesiano em que os participantes são convidados a selecionar os seis rostos mais bonitos numa centena de fotos, sabendo que a pessoa cujas seleções melhor se alinham com as escolhas mais populares em geral ganhará um prêmio. Nesse contexto, é racional que os participantes ignorem a preferência pessoal e escolham os rostos que acreditam que os outros vão selecionar.
Forças psicológicas semelhantes, explica Shiller, moldam os preços dos ativos, de ações de tecnologia a imóveis. Em 2005, apenas alguns anos antes de uma queda nos preços da habitação nos EUA desencadear a crise financeira global de 2008, Shiller alertou que uma ”exuberância irracional” vinha alimentando uma bolha imobiliária – e seu destino era acabar mal. (Compare isso à explicação de Fama sobre essa crise: “A economia não é muito boa em explicar as oscilações na atividade econômica”.)
Como Shiller explica em seu trabalho mais recente, as narrativas são o fator-chave. As histórias podem fazer com que os humanos se comportem de todas as maneiras e, se forem aceitas como verdade de modo suficientemente amplo, podem moldar os resultados econômicos. É por isso que é essencial considerar as qualidades cognitivas e emocionais dos atores econômicos individuais e os modos como esses atores interagem uns com os outros. A psicologia de grupo é analiticamente distinta da tomada de decisão individual e, nas economias modernas, ninguém decide nada no vácuo.
Enquanto Fama diz que os humanos não podem vencer os mercados, Shiller insiste que são os humanos que fazem os mercados, o que significa que os humanos podem se esforçar para melhorar seu funcionamento. A afirmação em que você crê tem implicações importantes para a teoria econômica e para a regulamentação financeira – desde o quanto ela é apropriada até se os bancos centrais devem tentar identificar e estourar bolhas de preços. Se o Deus que molda o mercado da Escola de Chicago não existe, devemos tratar a economia como uma instituição socialmente construída, criada por e para os humanos, com todos os nossos preconceitos, limitações, valores e moral.
Em seu discurso do Nobel, Shiller explicou que o tema geral de seu trabalho é que precisamos “democratizar e humanizar as finanças”. Se quisermos evitar uma repetição da crise econômica global de 2008 – com todo o sofrimento que ela trouxe – é exatamente isso que devemos fazer. Para fazer isso bem, não devemos ter medo de entrar na zona do crepúsculo econômica. Entender os mercados requer entender a dinâmica social humana.
Tradução por Fabrício Calado Moreira