hausmann110_Afriadi HikmalNurPhoto via Getty Images_indonesiacoal Afriadi Hikmal/NurPhoto via Getty Images

Finanças climáticas duvidosas

CAMBRIDGE - Suponhamos que você quisesse impressionar o mundo todo com sua generosidade. Doar uma tonelada de ouro para caridade certamente atrairia bastante atenção. Contudo, suponha que você tenha apenas um quilo de ouro. Como você conseguiria o mesmo efeito? Afinal, uma tonelada parece muito melhor - uma tonelada de vezes melhor, na verdade - que um quilo. Nesse caso, você poderia dizer que está doando uma tonelada de ouro e açúcar e não dizer quais são as proporções de cada um.

É precisamente essa a tática que vem sendo usada hoje no mundo das finanças climáticas. Durante a Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-27) no Egito, a África do Sul apresentou seu Plano de Investimento de Transição Energética Justa, baseado em US$ 8,5 bilhões em subsídios e empréstimos dos Estados Unidos, União Europeia, Alemanha, França e Reino Unido. Uma semana depois, os governos dos EUA, Japão, UE e vários outros prometeram US$ 20 bi para acelerar a transição da Indonésia do carvão para a energia limpa.

O objetivo desses pacotes de financiamento é facilitar uma transição líquida zero inclusiva. Indonésia e África do Sul ainda dependem principalmente de usinas movidas a carvão capazes de produzir energia barata durante muitos anos, mas que também emitem imensas quantidades de gases do efeito estufa. Tendo acumulado dívidas significativas na construção dessas usinas, as empresas nacionais de energia (e os governos que teriam o papel de socorrê-las) dependem dos ganhos com a produção de energia elétrica barata para administrar os custos de gestão da dívida. Para diminuir emissões, os países ricos estão buscando encorajar a Indonésia e a África do Sul a investir em energias renováveis, para que as usinas sujas possam ser desativadas mais cedo.

É um objetivo louvável. Só que os anúncios distorcem o volume do auxílio fornecido. Embora possa parecer que a África do Sul e a Indonésia receberam bilhões de dólares, os países ricos estão na prática prometendo fornecer ouro e açúcar ao mesmo tempo que tentam de propósito esconder o fato de que estão na verdade oferecendo basicamente açúcar.

Anúncios de novas Parcerias de Transição Energética Justa tipicamente falam numa mistura indeterminada de subsídios, empréstimos comerciais concessionais e ordinários, empréstimos e garantias do Banco Mundial e patrimônio do setor privado. Só que esses tipos de financiamento não poderiam ser mais diferentes uns dos outros.

Suponhamos, por exemplo, que os bilhões de dólares mencionados em um desses anúncios tenham sido dados à Indonésia ou à África do Sul na forma de uma concessão. Nesse caso, depois de o dinheiro ter sido desembolsado e usado para construir uma nova capacidade de geração de energia limpa, o país beneficiado ficaria com uma velha usina movida a carvão que não utiliza e uma nova da qual não é dono, além da dívida antiga associada ao carvão que o país tem de honrar.

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Por outro lado, se o país receber um empréstimo comercial, ficará com as dívidas antigas e novas, mas com apenas uma usina para gerar a receita necessária para pagar as duas. Sem dúvida, Indonésia e África do Sul conseguem acessar os mercados financeiros de forma independente. Já no caso de autofinanciar a descarbonização, os dois países teriam de controlar o montante total da dívida que assumirem, além de cortar outros empréstimos. Por esse motivo, incluir subsídios e empréstimos comerciais no mesmo pacote é como incluir açúcar na mesma conta do ouro.

Empréstimos concessionais são um pouco diferentes. Embora o país beneficiário fique com dois empréstimos e só uma usina em operação, a dívida é menos onerosa porque é mais barata do que a que o governo conseguiria sozinho. Tais empréstimos normalmente são contabilizados em termos do valor presente líquido do subsídio implícito, uma função do prazo de vencimento do empréstimo e da diferença entre a taxa de mercado e a taxa concessional (nenhuma das quais é pública).

As garantias são de certo modo semelhantes. Por exemplo, se um país ou instituição multilateral como o Banco Mundial garante um empréstimo, o governo que o recebe obtém um benefício equivalente à diferença na taxa de juros com a qual ele consegue emprestar sozinho e com a do fiador. No caso da Indonésia, por exemplo, essa diferença é de apenas 153 pontos-base em relação aos EUA, ou seja, o componente do subsídio é uma pequena fração do valor nominal da garantia.

Como no caso dos empréstimos comerciais, os investimentos em ações não devem nem entrar na conta, mesmo que os investidores tenham aderido à iniciativa Aliança Financeira de Glasgow para Zero Emissões Líquidas. Ainda que os investidores em ações assumam mais riscos, eles também esperam retornos maiores. Isso forçaria os países beneficiários a honrar suas antigas dívidas de carvão e também a pagar dividendos elevados para viabilizar o investimento em ações.

Por fim, ainda que os empréstimos do Banco Mundial sejam um pouco mais baratos do que o que a África do Sul conseguiria independentemente, presume-se que haja um limite para quanto o país conseguiria emprestar. Programas de transição energética justa devem ser acompanhados por um aumento de empréstimos do Banco Mundial aos países beneficiários. Sem isso, esses países teriam de se abster de fazer investimentos críticos em água, educação e infraestrutura. Isso não os ajudaria a reduzir seus custos líquidos de transição zero.

Em resumo, os anúncios de Parcerias de Transição Energética Justa usam volumes economicamente insignificantes que só soam grandes. Até que essa prática acabe, os programas futuros vão conter pouco ouro e muito açúcar. Assim como o mundo melhorou a contabilidade do carbono, ele precisa fazer mais para determinar a eficiência do financiamento climático.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

https://prosyn.org/LSxKp9ept