spence143_ALBERTO PIZZOLIAFP via Getty Images_mariodraghivonderleyenEU Alberto Pizzoli/AFP via Getty Images

Apostando na Itália

MILÃO – No dia 18 de setembro, tive o privilégio de participar do Encontro Nacional da Cavalieri del Lavoro, a federação das elites empresariais da Itália, onde 25 empresários são homenageados a cada ano por sua liderança, inovação e contribuições à sociedade. O clima foi surpreendentemente positivo.

O otimismo quanto às perspectivas econômicas da Itália -  variando de cauteloso a quase vertiginoso - não se limita a este grupo. Nem é difícil identificar o que está impulsionando o sentimento otimista. Mas de fato ele vem em um momento incomum. Afinal, a economia global está lutando não só para se recuperar do choque pandêmico, mas também para se adaptar a uma nova normalidade difícil, caracterizada por ventos climáticos adversos, congestionamento da cadeia de suprimentos e crescentes tensões geopolíticas.

Vindo depois de mais de duas décadas de crescimento econômico lento e desempenho abaixo do potencial, o otimismo da Itália é ainda mais surpreendente. Mas agora dois fatores que se reforçam mutuamente parecem estar mudando o jogo: um governo confiável e eficaz, liderado pelo primeiro-ministro Mario Draghi, e uma nova vontade da União Europeia de fornecer apoio fiscal robusto para o investimento. Não são aspectos separados.

Em recuperações econômicas sustentadas e robustas, o investimento do setor privado é o condutor imediato do crescimento e do emprego. Mas o setor público deve criar um ambiente favorável, investindo em ativos tangíveis e intangíveis essenciais, além de atuar como reformador e regulador confiável.

A fé na capacidade do atual governo da Itália de cumprir essas funções é forte. Para começar, o histórico de Draghi inspira respeito. Como presidente do Banco Central Europeu, ele demonstrou um compromisso firme em fazer avançar a integração e prosperidade europeias, e uma vontade de tomar medidas corajosas quando necessário.

Além disso, Draghi tem povoado seu governo com ministros talentosos e experientes. O resultado é um governo pragmático e decisivo, mas disposto a debater temas polêmicos e aberto a experimentação. É uma combinação vencedora.

HOLIDAY SALE: PS for less than $0.7 per week
PS_Sales_Holiday2024_1333x1000

HOLIDAY SALE: PS for less than $0.7 per week

At a time when democracy is under threat, there is an urgent need for incisive, informed analysis of the issues and questions driving the news – just what PS has always provided. Subscribe now and save $50 on a new subscription.

Subscribe Now

Apesar de todos seus pontos fortes, no entanto, o governo da Itália ainda enfrenta fortes restrições fiscais. Com a dívida soberana atingindo 160% do PIB durante a pandemia, o governo viria a descobrir que investir de modo adequado no crescimento futuro seria no mínimo um desafio.

E é aqui que a UE tem o seu papel. Se a pandemia traz uma lição para o mundo, é que ninguém está seguro até que todos estejam seguros. Do mesmo modo, nenhuma parte da UE pode atingir seu potencial econômico de maneira consistente  se outras partes têm dificuldade em financiar o investimento e manter o crescimento.

Assim, no ano passado, o bloco concordou em estabelecer um fundo de recuperação de € 750 bilhões (US$ 870 bilhões), conhecido como Next Generation EU, para financiar investimentos em áreas vitais como capital humano, pesquisa e desenvolvimento, transformação digital e transição para energia limpa. O fundo poderia fazer uma diferença real não só pelo seu tamanho, mas também porque o financiamento está condicionado a planos de nível nacional confiáveis e porque vem em parcelas, que dependem de uma implementação efetiva.

O Next Generation EU marca uma nova direção para o bloco. Depois que o colapso financeiro global de 2008 desencadeou uma série de crises de dívidas em toda a Europa, houve resistência feroz a propostas de transferências fiscais. Os defensores da austeridade ganharam o dia.

Não desta vez. A diferença pode ser explicada em parte pelo fato de que a pandemia atingiu toda a economia global, ao passo que as crises da dívida que se seguiram à crise de 2008 foram atribuídas à “irresponsabilidade fiscal” de cada país. Além disso, pairavam sérias dúvidas à época sobre a capacidade de alguns governos de usar os fundos transferidos com sabedoria. Qualquer que seja a motivação, a UE sofreu muito com sua abordagem pós-2008, que minou gravemente a coesão e a solidariedade, em particular nas economias problemáticas do sul da Europa.

O oposto parece estar acontecendo hoje. No caso da Itália, a confiança na integridade e competência do governo já está resultando em maior investimento estrangeiro e doméstico, embora a agenda de reformas continue em seus estágios iniciais. A mesma impressão - sem dúvida reforçada pelas credenciais europeias impecáveis de Draghi - também está tornando a UE mais aberta com seu apoio fiscal, aumentando ainda mais a confiança dos investidores.

A Itália chama a atenção para como, nas condições certas, o otimismo pode se tornar uma profecia autorrealizável. Há uma tendência de pensar em expectativas como um reflexo da realidade no terreno. Porém, uma vez que as expectativas orientam as decisões de investimento, elas também podem ajudar a moldar essa realidade. Em termos econômicos, elas são endógenas ao sistema: são resultados e insumos.

Com certeza, se as expectativas divergem de modo significativo da realidade subjacente, elas irão se recalibrar eventualmente. Mas o otimismo, em conjunto com uma reforma eficaz, também pode apoiar a transição de padrões de baixo crescimento para alto crescimento. Da mesma forma, o pessimismo pode prejudicar o investimento e o crescimento. Grande parte da experiência de economias emergentes na mudança para um crescimento maior sustentado é melhor compreendida nos termos dessas dinâmicas.

Essa experiência também destacou um fator determinante do resultado: liderança. Um governo que promove uma visão de melhor desempenho econômico e inspira confiança de que pode cumprir essa visão melhora drasticamente as chances de uma economia passar de um equilíbrio sem crescimento para um padrão de alto crescimento sustentado. Pode ser isso o que estamos vendo na Itália agora, com o apoio fiscal europeu proporcionando um impulso adicional.

Resta saber se a Itália de fato alcançou um ponto de virada econômico. O governo ainda deve implementar um investimento significativo e uma agenda de reformas, e muitos obstáculos podem aparecer. Mas, como o governo de Draghi já parece ter levantado o fardo das baixas expectativas e confiança fraca, as perspectivas econômicas da Itália são melhores do que há muito tempo.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

https://prosyn.org/AE5neJTpt