gomera1_Robert Nickelsberg_Getty Images Robert Nickelsberg/Getty Images

Quintas assassinas

CAMBRIDGE – A 3 de Abril, o Reino Unido anunciou uma proibição de venda de marfim considerada “uma das mais severas no mundo”. Ao restringir o comércio do marfim, o Reino Unido juntou-se a outros países – nomeadamente, a China e os Estados Unidos – na utilização de mecanismos de mercado dissuasores para desencorajar a caça furtiva e proteger uma espécie em risco de extinção. Como referiu o Secretário Britânico do Ambiente, Michael Grove, o objectivo consiste em “proteger os elefantes para as gerações futuras”.

Estes são, seguramente, gestos louváveis que servem um objectivo nobre. Mas acabar simplesmente com as vendas de marfim não inverterá o decréscimo das populações de elefantes. Com efeito, a maior ameaça que esta e outras espécies enfrentam é uma actividade humana muito mais comum: a agricultura.

Por todo o mundo em desenvolvimento, os agricultores estão a expandir as áreas de cultivo, numa busca incessante de solo fértil. Neste processo, estão a ser destruídos habitats críticos para a vida selvagem a um ritmo alarmante. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), se as tendências actuais se mantiverem, em 2050 o solo arável do mundo terá aumentado perto de 70 milhões de hectares, e muitas das novas terras aráveis estarão em áreas que se encontram actualmente florestadas. O risco é maior na América do Sul e na África Subsaariana, onde o crescimento populacional e a procura de alimentos afectarão mais intensamente as florestas tropicais.

A pobreza está na origem desta crise ecológica, mas as más práticas agrícolas perpetuam o ciclo da fome e da perda de habitats. Em África, por exemplo, o persistentemente fraco rendimento das culturas – que frequentemente não ultrapassa 20% das médias globais – está relacionado com a fraca qualidade das sementes, a indisponibilidade de fertilizantes, e a falta de irrigação. À medida que a saúde dos solos decresce e a produtividade diminui, muitos agricultores não vêem outra alternativa a não ser procurar novos terrenos de cultivo.

Felizmente, existe uma maneira de romper este ciclo vicioso. A investigação demonstra que as melhores práticas agrícolas e a tecnologia podem melhorar a produtividade agrícola, ao mesmo tempo que reduzem a perda de habitats e protegem a vida selvagem. Esta abordagem, conhecida como “intensificação sustentável,” pretende estimular a produtividade dos solos aráveis existentes, usando técnicas como a gestão integrada de colheitas e o controlo avançado de pragas. Se for aplicada extensivamente, a intensificação sustentável poderá mesmo reduzir a quantidade total de solos actualmente cultivados.

Este objectivo não é impossível. Nos últimos 25 anos, agricultores em mais de 20 países por todo o mundo melhoraram a segurança alimentar ao mesmo tempo que mantiveram ou aumentaram a cobertura florestal. De acordo com um estudo, entre 1965 e 2004, os agricultores nos países em desenvolvimento que plantaram sementes de elevada qualidade conseguiram reduzir os solos aráveis em cerca de 30 milhões de hectares – uma área aproximadamente do tamanho da Itália. Estes ganhos poderiam ser ainda mais aumentados se os pequenos agricultores pudessem aceder a equipamentos modernos, a uma melhor recolha e análise de dados, e a mais financiamento.

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Os críticos argumentam que o aumento da produtividade das pequenas explorações agrícolas pode produzir o efeito oposto ao pretendido, especialmente se isso encorajar os pequenos agricultores a expandir a sua superfície de cultivo, com o fito de aumentarem os seus lucros. Para evitar este cenário, as estratégias de intensificação devem ser acompanhadas por um sólido planeamento de conservação.

Ao mesmo tempo, no entanto, não se poderá pedir simplesmente aos agricultores nos países em desenvolvimento que deixem de usar os recursos não-agrícolas adjacentes aos seus terrenos. Nas comunidades pobres, muitas pessoas dependem dos produtos florestais para combustível e materiais de construção, e as políticas governamentais que proíbam a utilização destes recursos sem oferecerem alternativas adequadas estarão provavelmente condenadas ao fracasso. Em vez disso, a abordagem ideal para a conservação nos países em desenvolvimento associaria o apoio agrícola e económico a limites rigorosos à expansão das superfícies agrícolas.

Isso está longe de ser o que acontece hoje. Em todo o mundo, investem-se anualmente milhares de milhões de dólares na resolução da degradação ambiental e da pobreza; muitos dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU estão de alguma forma relacionados com estas duas preocupações. E, no entanto, a maioria dos programas concebidos para a resolução destes problemas funcionam de modo isolado. Isto é um erro: as soluções para a insegurança alimentar e a perda de habitats devem ser mais bem integradas, para que ambos os desafios sejam ultrapassados.

Ninguém duvida que as políticas bem-intencionadas como as proibições ao comércio do marfim possam minimizar o impacto da actividade humana. Mas, neste momento, a agricultura – a actividade com maiores responsabilidades na degradação da saúde de muitas espécies – ainda não atraiu a merecida atenção dos decisores políticos. Até que essa situação se altere, as estratégias governamentais de protecção da vida selvagem “para as gerações futuras” serão muito provavelmente insuficientes.

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