LONDRES – Os líderes autocráticos procuram com frequência novas formas para comprometer o direito ao protesto, porque sabem que o protesto pode ser uma força extraordinariamente potente para a mudança política e social. Durante a última década, o protesto derrubou autocratas, forçou governos e corporações a reconhecer a emergência climática, deu voz a trabalhadores prejudicados por sistemas económicos injustos e incentivou reformas para fazer face à brutalidade policial e ao racismo estrutural.
Como observou Peter Mutasa, presidente do Congresso Sindical do Zimbabwe, que este ano conduziu um protesto por melhores condições de trabalho, os protestos são frequentemente o “único poder e força de oposição” contra governos repressivos e a única forma para as pessoas marginalizadas terem acesso a serviços públicos. E mesmo em contextos onde ainda não atingiram os seus objectivos, os protestos abalam estruturas de poder enraizadas.
Na Bielorrússia, por exemplo, continuam a decorrer protestos pacíficos liderados por mulheres (com o envolvimento activo de largas faixas da sociedade bielorrussa, como artistas e sindicalistas) desde a viciada eleição presidencial de Agosto. Na Tailândia, as manifestações em curso por reformas democráticas promoveram um debate crucial sobre o papel constitucional da monarquia, cuja discussão pública era até recentemente considerada impensável. E os protestos que se seguiram ao assassínio de George Floyd em Maio tornaram o racismo estrutural numa questão central para a campanha das eleições presidenciais nos EUA.
Mas os governos utilizam tácticas cada vez mais sofisticadas e agressivas para restringir a capacidade de protesto dos povos. Este direito fundamental é frequentemente ameaçado por quatro modos essenciais.
Primeiro, os governos adaptam legislação já existente para limitar protestos e deter os participantes. Na Índia, a polícia prendeu manifestantes ao abrigo de legislação sobre sedição e antiterrorismo, enquanto os responsáveis de Hong Kong reprimiram protestos promulgando legislação sobre a ordem pública (supostamente para impedir a propagação da COVID-19). Outros países, nomeadamente a Argélia, Angola, o Líbano e a Tailândia, também usaram medidas de emergência anti-COVID para assediar, intimidar e prender manifestantes. Estas detenções e repressões acontecem apesar do reconhecimento do direito à liberdade de associação em muitas das constituições destes países, bem como no direito internacional.
Segundo, alguns governos (mais recentemente, na Bielorrússia e na Nigéria) tentaram esmagar violentamente alguns protestos. Estes governos não só dispersam e detêm manifestantes, mas também os torturam e chegam a matá-los.
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Terceiro, os governos comprometeram a capacidade dos manifestantes se organizarem ao ordenarem paralisações sucessivas da Internet. A coligação #KeepItOn, organizada pelo grupo para os direitos digitais Access Now, registou pelo menos 65 paralisações da Internet durante protestos ocorridos em 2019, nomeadamente no Sudão, Iraque, Irão, Venezuela, Zimbabué, Argélia, Índia e Indonésia. O governo bielorrusso também desactivou repetidamente a Internet durante os protestos deste ano.
Quarto, governos, intervenientes não-estatais e algumas organizações da comunicação social demonizaram e estigmatizaram os manifestantes. O presidente dos EUA, por exemplo, apelidou manifestantes pacíficos de desordeiros, saqueadores, marginais e anarquistas.
Um outro modo de retirar a legitimidade aos manifestantes consiste em lançar dúvidas sobre os seus motivos, apelidando-os, sem provas, de “manifestantes pagos”, ou caracterizando os manifestantes pró-democracia como “anti-nacionalistas” e os activistas ambientais como “anti-desenvolvimento”. Estas narrativas pretendem reduzir o apoio público aos manifestantes e justificar a repressão governamental.
Apesar das ameaças que tais tácticas representam, existe esperança. Um número crescente de indivíduos e de organizações em todo o mundo trabalha para proteger o direito ao protesto. Alguns grupos (por exemplo, a coligação Right2Protest da África do Sul) gerem linhas telefónicas de apoio permanente para aqueles que pretendem manifestar-se de forma pacífica, fornecendo-lhes informações e aconselhamento relativo aos enquadramentos legais. Quando os manifestantes são detidos, estes grupos põem-nos em contacto com advogados que se esforçam por garantir que lhes seja concedida fiança e, caso seja necessário, que os defendem (frequentemente pro bono) nos seus julgamentos.
Outros grupos especializam-se nas objecções legais a políticas e práticas oficiais que desrespeitem o direito ao protesto. No Uganda, por exemplo, uma acção de cinco anos de contencioso conduzida por quatro organizações da sociedade civil originou uma grande vitória em Março, com o Tribunal Constitucional a revogar parte de uma lei que permitia à polícia ugandesa impedir ou interromper reuniões públicas de forma arbitrária. Em Setembro, grupos da sociedade civil colombiana venceram uma importante acção no Supremo Tribunal do país que apelava à reforma policial e uma ordem de restrição que impedia os responsáveis públicos de demonizar abertamente manifestantes pacíficos.
Em última análise, todavia, a melhor protecção para os movimentos de protesto e para os seus defensores é a oportunidade dos participantes pertencerem a algo que é maior que eles. “A solidariedade é o motor que nos faz avançar”, diz Mutasa.
Todos, e não apenas advogados e ONG, podem desempenhar um papel na defesa do direito ao protesto pacífico. Os médicos e enfermeiros podem prestar apoio de primeiros-socorros. Os professores podem educar os seus alunos sobre o direito ao protesto pacífico e os motivos porque importa. Os operadores de telecomunicações podem ignorar as ordens governamentais para desligar a Internet durante as manifestações. Os profissionais da comunicação social e os jornalistas-cidadãos podem desenvolver uma potente contra-narrativa relativamente aos que procuram demonizar os manifestantes. E, enquanto indivíduos, podemos todos sair à rua ou expressar a nossa discordância on-line.
Sem esta solidariedade, o direito ao protesto será sempre vulnerável. E onde este direito não for defendido, poucos direitos estarão seguros.
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A promising way to mobilize more climate finance for developing countries is to expand the use of “solidarity levies”: global levies on carbon dioxide emissions and other economic activities that channel proceeds to developing countries. The benefits of scaling up such measures would be far-reaching.
Although Americans – and the world – have been spared the kind of agonizing uncertainty that followed the 2020 election, a different kind of uncertainty has set in. While few doubt that Donald Trump's comeback will have far-reaching implications, most observers are only beginning to come to grips with what those could be.
consider what the outcome of the 2024 US presidential election will mean for America and the world.
LONDRES – Os líderes autocráticos procuram com frequência novas formas para comprometer o direito ao protesto, porque sabem que o protesto pode ser uma força extraordinariamente potente para a mudança política e social. Durante a última década, o protesto derrubou autocratas, forçou governos e corporações a reconhecer a emergência climática, deu voz a trabalhadores prejudicados por sistemas económicos injustos e incentivou reformas para fazer face à brutalidade policial e ao racismo estrutural.
Como observou Peter Mutasa, presidente do Congresso Sindical do Zimbabwe, que este ano conduziu um protesto por melhores condições de trabalho, os protestos são frequentemente o “único poder e força de oposição” contra governos repressivos e a única forma para as pessoas marginalizadas terem acesso a serviços públicos. E mesmo em contextos onde ainda não atingiram os seus objectivos, os protestos abalam estruturas de poder enraizadas.
Na Bielorrússia, por exemplo, continuam a decorrer protestos pacíficos liderados por mulheres (com o envolvimento activo de largas faixas da sociedade bielorrussa, como artistas e sindicalistas) desde a viciada eleição presidencial de Agosto. Na Tailândia, as manifestações em curso por reformas democráticas promoveram um debate crucial sobre o papel constitucional da monarquia, cuja discussão pública era até recentemente considerada impensável. E os protestos que se seguiram ao assassínio de George Floyd em Maio tornaram o racismo estrutural numa questão central para a campanha das eleições presidenciais nos EUA.
Mas os governos utilizam tácticas cada vez mais sofisticadas e agressivas para restringir a capacidade de protesto dos povos. Este direito fundamental é frequentemente ameaçado por quatro modos essenciais.
Primeiro, os governos adaptam legislação já existente para limitar protestos e deter os participantes. Na Índia, a polícia prendeu manifestantes ao abrigo de legislação sobre sedição e antiterrorismo, enquanto os responsáveis de Hong Kong reprimiram protestos promulgando legislação sobre a ordem pública (supostamente para impedir a propagação da COVID-19). Outros países, nomeadamente a Argélia, Angola, o Líbano e a Tailândia, também usaram medidas de emergência anti-COVID para assediar, intimidar e prender manifestantes. Estas detenções e repressões acontecem apesar do reconhecimento do direito à liberdade de associação em muitas das constituições destes países, bem como no direito internacional.
Segundo, alguns governos (mais recentemente, na Bielorrússia e na Nigéria) tentaram esmagar violentamente alguns protestos. Estes governos não só dispersam e detêm manifestantes, mas também os torturam e chegam a matá-los.
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Quarto, governos, intervenientes não-estatais e algumas organizações da comunicação social demonizaram e estigmatizaram os manifestantes. O presidente dos EUA, por exemplo, apelidou manifestantes pacíficos de desordeiros, saqueadores, marginais e anarquistas.
Um outro modo de retirar a legitimidade aos manifestantes consiste em lançar dúvidas sobre os seus motivos, apelidando-os, sem provas, de “manifestantes pagos”, ou caracterizando os manifestantes pró-democracia como “anti-nacionalistas” e os activistas ambientais como “anti-desenvolvimento”. Estas narrativas pretendem reduzir o apoio público aos manifestantes e justificar a repressão governamental.
Apesar das ameaças que tais tácticas representam, existe esperança. Um número crescente de indivíduos e de organizações em todo o mundo trabalha para proteger o direito ao protesto. Alguns grupos (por exemplo, a coligação Right2Protest da África do Sul) gerem linhas telefónicas de apoio permanente para aqueles que pretendem manifestar-se de forma pacífica, fornecendo-lhes informações e aconselhamento relativo aos enquadramentos legais. Quando os manifestantes são detidos, estes grupos põem-nos em contacto com advogados que se esforçam por garantir que lhes seja concedida fiança e, caso seja necessário, que os defendem (frequentemente pro bono) nos seus julgamentos.
Outros grupos especializam-se nas objecções legais a políticas e práticas oficiais que desrespeitem o direito ao protesto. No Uganda, por exemplo, uma acção de cinco anos de contencioso conduzida por quatro organizações da sociedade civil originou uma grande vitória em Março, com o Tribunal Constitucional a revogar parte de uma lei que permitia à polícia ugandesa impedir ou interromper reuniões públicas de forma arbitrária. Em Setembro, grupos da sociedade civil colombiana venceram uma importante acção no Supremo Tribunal do país que apelava à reforma policial e uma ordem de restrição que impedia os responsáveis públicos de demonizar abertamente manifestantes pacíficos.
Em última análise, todavia, a melhor protecção para os movimentos de protesto e para os seus defensores é a oportunidade dos participantes pertencerem a algo que é maior que eles. “A solidariedade é o motor que nos faz avançar”, diz Mutasa.
Todos, e não apenas advogados e ONG, podem desempenhar um papel na defesa do direito ao protesto pacífico. Os médicos e enfermeiros podem prestar apoio de primeiros-socorros. Os professores podem educar os seus alunos sobre o direito ao protesto pacífico e os motivos porque importa. Os operadores de telecomunicações podem ignorar as ordens governamentais para desligar a Internet durante as manifestações. Os profissionais da comunicação social e os jornalistas-cidadãos podem desenvolver uma potente contra-narrativa relativamente aos que procuram demonizar os manifestantes. E, enquanto indivíduos, podemos todos sair à rua ou expressar a nossa discordância on-line.
Sem esta solidariedade, o direito ao protesto será sempre vulnerável. E onde este direito não for defendido, poucos direitos estarão seguros.