Um Paquistão mutilado

NOVA DELI - Os problemas e os dilemas enfrentados pela liderança do Paquistão - incluindo um turbilhão de suspeitas mútuas que se intensifica, assassinatos sectários e um terrorismo descarado - são quase demasiado numerosos para contar. E essa liderança - quer seja civil, militar e também a actual judiciária politicamente activa - tem-se mostrado ineficaz, de modo congénito, deixando o país com uma economia debilitada e um sistema político paralisado.

No centro das preocupações a nível mundial sobre a região está a realidade complexa dos dois movimentos talibãs - um no Afeganistão, sobre o qual a poderosa direcção para os Inter-Serviços de Segurança tem um grande controlo, e um no próprio Paquistão, que está a travar uma violenta guerra de guerrilha, que está a aumentar, contra o governo paquistanês. Com os Estados Unidos e a NATO a retirarem todas as tropas do Afeganistão até ao final de 2014, há uma possibilidade real de os talibãs recuperarem poder no local e de transformarem o Paquistão num estado verdadeiramente fracassado.

De forma encorajadora, após um intervalo de sete meses em que nenhuma fonte militar podia chegar ao Afeganistão através da passagem de Khyber- uma interrupção que se seguiu à morte de soldados paquistaneses nas mãos das tropas da NATO que dispararam do outro lado da fronteira - os camiões da NATO, no início de Julho, foram finalmente autorizados a atravessá-la novamente. Um pouco cautelosa, a secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton anunciou: “A ministra (paquistanesa) dos Negócios Estrangeiros (Hina Rabbani) Khar e eu reconhecemos os erros que resultaram na perda da vida dos militares paquistaneses. Lamentamos as perdas sofridas pelo exército paquistanês”. A sua afirmação de compromisso, para evitar uma situação semelhante no futuro, parece ter sido suficiente para reabrir a fronteira para o reabastecimento da NATO através do Paquistão.

Esta crise autodestrutiva terminou agora, mas poderão realmente ambos os lados evitar uma maior deterioração na sua relação complexa e mutuamente dependente? Esta questão é importante pelo principal facto de a procura do Paquistão pela identidade nacional e pela segurança territorial estarem enraizadas no medo existencial dos seus vizinhos. Infelizmente, tal como Michael Krepon do Centro Stimson, um especialista em política externa norte-americano, observou, as tácticas dos oficiais paquistaneses sustentam o “isolamento e o declínio do país”. Além do mais, as tácticas dos EUA, Krepon argumenta, intensificam “o seu distanciamento com o Paquistão. Enquanto as políticas actuais permanecerem inalteradas, novos pontos de discórdia parecem ser inevitáveis entre o Paquistão, os seus vizinhos, e os Estados Unidos”.

A grande questão no Sul da Ásia é se a retirada das tropas dos EUA/NATO atenuará ou, por outro lado, acentuará os dilemas no Paquistão. Muito irá depender da forma como o Paquistão abordará a turbulência interna, bem como a evolução da situação no Afeganistão. Muitos paquistaneses, incluindo Sartaz Aziz, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, que vêem um vazio político, não estão optimistas.

Mas o problema é mais profundo do que a ausência de uma liderança eficaz. Tal como o jornalista paquistanês Mir Mohammad Ali Talpur disse, “[Q]uando os estados são formados sobre uma base artificial de identidade nacional forçada ou com base na religião, como foi o caso do Paquistão, de Israel e da Jugoslávia, as suas necessidades transformam-se em ...estados dominados pela ideologia militarista”. Além disso, “o Paquistão, com a pretensão de ser o herdeiro da glória do Islão sobrecarregou-se com uma pesada bagagem histórica”. 

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Mas poderia ter sido feito de outra maneira? A elite do Paquistão, Ali Talpur continua, “subscrevendo uma ideologia estatista e militarista”, tornou-se “na defensora auto-nomeada do Islão”, e “mesmo os salteadores da história islâmica” foi-lhes atribuído o estatuto de heróis, criando uma ilusão de invencibilidade e de grandeza que “em nada corresponde com a realidade”.

Aqui, os sucessivos governos norte-americanos têm agravado os problemas no Sul da Ásia, indo apenas atrás dos seus próprios interesses nacionais, a um custo incalculável para o crescimento natural e orgânico dos países da região. Sem a Rússia, a China, a Índia, o Paquistão, o Afeganistão e o Irão a agirem em conjunto, não será possível encontrar mais soluções duradouras; elas certamente, não podem ser impostas unilateralmente pelos EUA e a NATO.

Desta forma, surge um dilema: a presença das forças dos EUA/NATO no Afeganistão, não está em harmonia com os anseios genuínos e o equilíbrio da região. Afinal de contas, o Afeganistão só pode permanecer onde está, com ou sem as tropas norte-americanas, razão pela qual o seu futuro será sempre uma questão de grande preocupação para o Paquistão (e para a Índia). Em que situação se encontram estes países para poderem harmonizar os seus interesses e prioridades nacionais com os das potências ocidentais?

De acordo com Kamran Shafi, um oficial reformado do exército paquistanês, o Paquistão “perdeu a confiança da maioria ou até mesmo de todos os nossos amigos”. Na verdade, até mesmo a “fraternal” Arábia Saudita extraditou para a Índia, o homem acusado pelos indianos como sendo um dos cérebros dos horríficos ataques terroristas em Mumbai, em Novembro de 2008. Ao promover e ao perseguir o terrorismo como um instrumento de política de Estado, o Paquistão parece ter a intenção de nunca recuperar essa confiança, sem a qual, a paz inexistente no Sul da Ásia, desde a divisão da Índia Britânica em 1947, é impossível.

O Sul da Ásia parece agora condenado a algo semelhante a uma guerra de 100 anos. Mas, ao contrário da Guerra dos Cem Anos na Europa, esta luta tem o prenúncio do potencial de destruição mútua assegurado. Tendo em conta os potentes arsenais nucleares paquistaneses e indianos, a guerra poderá ser, de facto, muito curta.

Tradução: Deolinda Esteves

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