CAMBRIDGE – A comédia de 1957 Trabalhos de amor perdido, de William Shakespeare, conta a história de quatro franceses navegando a tensão entre o compromisso com o desenvolvimento intellectual e a busca pela felicidade doméstica. Cerca de quatro séculos depois, a economista de Harvard Claudia Goldin reimaginou o conto do ponto de vista das mulheres americanas que equilibram carreira e família. Agora, os insights profundos de Goldin sobre o mercado de trabalho feminino renderam a ela o prêmio Nobel de economia.
A conquista de Goldin é notável não só porque ela trabalha numa disciplina excessivamente dominada por homens – ela é só a terceira mulher na história a ganhar o Nobel de economia, e a primeira a fazê-lo sozinha –, mas também porque sua pesquisa tem foco exclusivo em gênero. Os temas que Goldin estuda – participação da mulher na força de trabalho e, especificamente, as disparidades salariais de gêneros – são normalmente enquadrados na categoria de economia feminista e marginalizados no campo da economia.
Goldin, que se apresenta como uma “economista-detetive”, já solucionou uma série de casos, mas, como notou o Nobel de economia, três se destacam. Primeiro, a maioria das teorias de desenvolvimento econômico presumiram que, à medida que as economias crescessem, as mulheres seriam puxadas para a força de trabalho de modo automático e natural. A pesquisa de Goldin, contudo, mostra que a participação feminina no mercado de trabalho ao longo do tempo segue uma curva em U.
Ao passar o pente fino em 200 anos de dados de maneira meticulosa, Goldin observou que, à medida que o local da atividade econômica se desloca da agricultura para a indústria, a participação feminina na força de trabalho cai, em grande parte devido ao desafio de equilibrar cuidados infantis com trabalho em fábrica, em especial para mulheres casadas. Porém, assim que o setor de serviço passa a predominar, as mulheres se juntam à força de trabalho em índices muito maiores.
Segundo, a disparidade salarial de gêneros – mulheres ganham em média US$ 0,77 para cada dólar ganho pelos homens – tem sido tradicionalmente atribuída a uma miríade de fatores, desde conquistas educacionais a diferenças de ambição. Há quem diga que é uma questão de aptidão: o secretário do Tesouro americano Lawrence Summers, por exemplo, argumentou em 2005 que homens são biologicamente mais aptos para matemática e ciências.
Contudo, ao examinar diferenças salariais dentro da mesma ocupação, Goldin mostrou que a explicação atual é muito mais simples. No fim das contas, a lentidão atual não pode ser atribuída a conquistas educacionais; nos países ricos, as mulheres estão ultrapassando os homens nesta frente. Além disso, desde que a disparidade salarial existe entre profissões, ela não pode ser atribuída à representação maior das mulheres em campos menos lucrativos. Tampouco a capacidade cognitiva pode ser o problema, dado que a remuneração para mulheres e homens é quase idêntica na graduação universitária.
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Em vez disso, as mulheres recebem menos que os homens devido ao fato biológico bruto de darem à luz. A disparidade salarial começa a emergir um ou dois anos depois do nascimento do primeiro filho da mulher. Aos 45 anos, a mulher ganha 55% do salário de um homem, graças a fatores relacionados à gravidez, como interrupção de carreiras e diminuição das horas de trabalho.
Terceiro, a pesquisa de Goldin estabelece que as expectativas de lucro das mulheres fazem diferença. Graças ao “efeito da demonstração” – isto é, o exemplo dado por suas mães e avós –, elas têm se vendido por pouco há tempos, em termos profissionais. Isso começou a mudar nos EUA na década de 1970, com o crescimento crescente na educação feminina e com os atrasos em casamentos e gestações.
Em um texto publicado na manhã da conquista de seu Nobel, Goldin destaca uma série de eventos entre 1963 e 1973 que prepararam o cenário para esta mudança. Entre eles, estão a aprovação da Lei do Pagamento Igual, Roe v. Wade (quando a Suprema Corte americana reconheceu o direito constitucional ao aborto), uma alta nas admissões de mulheres nas universidades de elite e, em especial, o acesso a contraceptivos orais.
A pesquisa de Goldin traz uma série de lições importantes para a economia. Ela ilustra a centralidade da história para entender as realidades econômicas atuais (um tributo apropriado ao mentor e companheiro de Nobel de Goldin, Robert Fogel). Há problemas persistentes e ineficiências que os mercados têm deixado de resolver, mesmo ao longo de séculos. Por que as mulheres continuam a pagar um preço tão alto por terem crianças, um bem público por excelência?
A pesquisa de Goldin também demonstra a necessidade de desagregar agentes econômicos, porque os resultados tendem a refletir profecias autorrealizáveis baseadas em identidade, estruturas sociais e percepções subjetivas. Por exemplo, como explica Goldin, a maioria dos casais heterossexuais com o mesmo nível educacional não divide tarefas domésticas igualmente, já que é comum o parceiro ganha mais. Mas isso reforça a diferença de salários.
Em termos mais radicais, o trabalho de Goldin mostra que a economia habita não só os espaços institucionais formais, mas também os íntimos. A disciplina deveria se preocupar tanto com mercados matrimoniais quanto com mercados financeiros. A cama não é menos relevante que a sala da diretoria. Ideias que há tempos foram discutidas nas revistas femininas pertencem aos periódicos econômicos.
O trabalho de Goldin destaca um ponto que as feministas enfatizam há tempos: mulheres não têm o luxo de separar o pessoal do profissional. Nem a economia pode se dar ao luxo de ignorar a realidade de que, para mulheres, a felicidade doméstica vem com uma etiqueta com o preço, tanto em termos de renda quanto independência.
De uma perspectiva de política econômia, temos duas opções. Podemos reimaginar o casamento e a gestação para garantir que as mulheres possam competir num sistema econômico feito pra homens, como colocando creches no local e trabalho e recorrendo a incentivos fiscais. Ou, como defende Goldin, podemos reimaginar a economia de modo que ela funcione para as mulheres, tornando-a mais flexível, menos “gananciosa” e mais focada na empatia. Se não fizermos nada, porém, o trabalho do amor continuará a ser a perda das mulheres.
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In 2024, global geopolitics and national politics have undergone considerable upheaval, and the world economy has both significant weaknesses, including Europe and China, and notable bright spots, especially the US. In the coming year, the range of possible outcomes will broaden further.
offers his predictions for the new year while acknowledging that the range of possible outcomes is widening.
CAMBRIDGE – A comédia de 1957 Trabalhos de amor perdido, de William Shakespeare, conta a história de quatro franceses navegando a tensão entre o compromisso com o desenvolvimento intellectual e a busca pela felicidade doméstica. Cerca de quatro séculos depois, a economista de Harvard Claudia Goldin reimaginou o conto do ponto de vista das mulheres americanas que equilibram carreira e família. Agora, os insights profundos de Goldin sobre o mercado de trabalho feminino renderam a ela o prêmio Nobel de economia.
A conquista de Goldin é notável não só porque ela trabalha numa disciplina excessivamente dominada por homens – ela é só a terceira mulher na história a ganhar o Nobel de economia, e a primeira a fazê-lo sozinha –, mas também porque sua pesquisa tem foco exclusivo em gênero. Os temas que Goldin estuda – participação da mulher na força de trabalho e, especificamente, as disparidades salariais de gêneros – são normalmente enquadrados na categoria de economia feminista e marginalizados no campo da economia.
Goldin, que se apresenta como uma “economista-detetive”, já solucionou uma série de casos, mas, como notou o Nobel de economia, três se destacam. Primeiro, a maioria das teorias de desenvolvimento econômico presumiram que, à medida que as economias crescessem, as mulheres seriam puxadas para a força de trabalho de modo automático e natural. A pesquisa de Goldin, contudo, mostra que a participação feminina no mercado de trabalho ao longo do tempo segue uma curva em U.
Ao passar o pente fino em 200 anos de dados de maneira meticulosa, Goldin observou que, à medida que o local da atividade econômica se desloca da agricultura para a indústria, a participação feminina na força de trabalho cai, em grande parte devido ao desafio de equilibrar cuidados infantis com trabalho em fábrica, em especial para mulheres casadas. Porém, assim que o setor de serviço passa a predominar, as mulheres se juntam à força de trabalho em índices muito maiores.
Segundo, a disparidade salarial de gêneros – mulheres ganham em média US$ 0,77 para cada dólar ganho pelos homens – tem sido tradicionalmente atribuída a uma miríade de fatores, desde conquistas educacionais a diferenças de ambição. Há quem diga que é uma questão de aptidão: o secretário do Tesouro americano Lawrence Summers, por exemplo, argumentou em 2005 que homens são biologicamente mais aptos para matemática e ciências.
Contudo, ao examinar diferenças salariais dentro da mesma ocupação, Goldin mostrou que a explicação atual é muito mais simples. No fim das contas, a lentidão atual não pode ser atribuída a conquistas educacionais; nos países ricos, as mulheres estão ultrapassando os homens nesta frente. Além disso, desde que a disparidade salarial existe entre profissões, ela não pode ser atribuída à representação maior das mulheres em campos menos lucrativos. Tampouco a capacidade cognitiva pode ser o problema, dado que a remuneração para mulheres e homens é quase idêntica na graduação universitária.
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Terceiro, a pesquisa de Goldin estabelece que as expectativas de lucro das mulheres fazem diferença. Graças ao “efeito da demonstração” – isto é, o exemplo dado por suas mães e avós –, elas têm se vendido por pouco há tempos, em termos profissionais. Isso começou a mudar nos EUA na década de 1970, com o crescimento crescente na educação feminina e com os atrasos em casamentos e gestações.
Em um texto publicado na manhã da conquista de seu Nobel, Goldin destaca uma série de eventos entre 1963 e 1973 que prepararam o cenário para esta mudança. Entre eles, estão a aprovação da Lei do Pagamento Igual, Roe v. Wade (quando a Suprema Corte americana reconheceu o direito constitucional ao aborto), uma alta nas admissões de mulheres nas universidades de elite e, em especial, o acesso a contraceptivos orais.
A pesquisa de Goldin traz uma série de lições importantes para a economia. Ela ilustra a centralidade da história para entender as realidades econômicas atuais (um tributo apropriado ao mentor e companheiro de Nobel de Goldin, Robert Fogel). Há problemas persistentes e ineficiências que os mercados têm deixado de resolver, mesmo ao longo de séculos. Por que as mulheres continuam a pagar um preço tão alto por terem crianças, um bem público por excelência?
A pesquisa de Goldin também demonstra a necessidade de desagregar agentes econômicos, porque os resultados tendem a refletir profecias autorrealizáveis baseadas em identidade, estruturas sociais e percepções subjetivas. Por exemplo, como explica Goldin, a maioria dos casais heterossexuais com o mesmo nível educacional não divide tarefas domésticas igualmente, já que é comum o parceiro ganha mais. Mas isso reforça a diferença de salários.
Em termos mais radicais, o trabalho de Goldin mostra que a economia habita não só os espaços institucionais formais, mas também os íntimos. A disciplina deveria se preocupar tanto com mercados matrimoniais quanto com mercados financeiros. A cama não é menos relevante que a sala da diretoria. Ideias que há tempos foram discutidas nas revistas femininas pertencem aos periódicos econômicos.
O trabalho de Goldin destaca um ponto que as feministas enfatizam há tempos: mulheres não têm o luxo de separar o pessoal do profissional. Nem a economia pode se dar ao luxo de ignorar a realidade de que, para mulheres, a felicidade doméstica vem com uma etiqueta com o preço, tanto em termos de renda quanto independência.
De uma perspectiva de política econômia, temos duas opções. Podemos reimaginar o casamento e a gestação para garantir que as mulheres possam competir num sistema econômico feito pra homens, como colocando creches no local e trabalho e recorrendo a incentivos fiscais. Ou, como defende Goldin, podemos reimaginar a economia de modo que ela funcione para as mulheres, tornando-a mais flexível, menos “gananciosa” e mais focada na empatia. Se não fizermos nada, porém, o trabalho do amor continuará a ser a perda das mulheres.
Tradução por Fabrício Calado Moreira