CAMBRIDGE – Há dez anos, em novembro deste ano, o 18º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCC) realizou sua Terceira Plenária, delineando uma série de reformas de longo alcance destinadas a sustentar o crescimento econômico acelerado do país asiático. Naquela época, uma extrapolação ingênua baseada na diferença nas taxas de crescimento entre a China e os Estados Unidos sugeriu que o PIB da China ultrapassaria o dos Estados Unidos até 2021. Alguns especularam que isso poderia acontecer já em 2019.
Essas previsões estão longe da realidade. Com a economia dos EUA superando as expectativas e a economia chinesa desacelerando, o Goldman Sachs e outros agora estimam que o PIB da China pode não alcançar o dos EUA até 2035, ou nunca. E mesmo que isso aconteça, é provável que seja apenas temporário. O PIB da China está agora projetado para atingir o pico por volta de meados do século, após o qual sua força de trabalho encolhendo compensará quaisquer ganhos de produtividade.
Sem dúvida, em termos de paridade de poder de compra, a China já ultrapassou os EUA em 2017. Mas para muitos propósitos, como estimar as capacidades militares ou determinar as cotas do Fundo Monetário Internacional, é mais útil comparar os PIBs nacionais às taxas de câmbio atuais.
Após três décadas de crescimento anual de 10%, a economia chinesa estava fadada a desacelerar. A recuperação tecnológica, a diminuição dos retornos sobre o capital, o envelhecimento da população, a diminuição da oferta de trabalhadores dispostos a migrar para as cidades e a reversão das taxas de crescimento para a média empurraram a China para a chamada armadilha da renda média.
Mas a recessão foi mais grave do que muitos esperavam, além de parcialmente autoinfligida. Ao longo da última década, os formuladores de políticas chineses deixaram de seguir seu próprio plano de reforma, exacerbando assim a desaceleração do país.
Economistaschineses e estrangeiros viam com bons olhos o plano de reforma introduzido pelo PCC do presidente Xi Jinping em 2013, que visava reduzir a intervenção estatal na economia e enfatizava o mercado como “a força decisiva na alocação de recursos”. O plano buscava minimizar o papel das empresas estatais e criar oportunidades para as empresas privadas. Os investidores privados receberiam maiores participações acionárias nas empresas estatais, e as empresas estatais devolveriam uma parcela maior de seus lucros como dividendos. O governo visava agilizar os processos de aprovação, esclarecer quais setores permaneceriam sob controle do Estado e desregulamentar os preços de energia e serviços públicos, reduzindo assim uma forma de subsídios às empresas estatais.
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Além disso, a ideia era liberalizar o sistema financeiro, facilitando uma mobilidade maior de capitais entre fronteiras. O modelo de crescimento da China deveria mudar da dependência do investimento e das exportações para o consumo das famílias. Aos moradores rurais foram prometidos direitos de terra aprimorados, talvez até permitindo que eles possuíssem e vendessem propriedades, reduzindo assim o risco de confiscos injustificados de terras por autoridades locais em busca de projetos de construção desnecessários. As reformas planejadas para o sistema de registro de domicílios (hukou) levariam aos migrantes rurais das grandes cidades acesso a cuidados de saúde, educação e outros serviços públicos. A desastrosa política do filho único seria abolida. A remediação ambiental foi reconhecida como prioridade máxima.
Três anos após a data prevista de implementação, contudo, o governo concretizou só algumas dessas medidas. Vale notar que a política do filho único foi finalmente abandonada em 2016 (ainda que um limite de três filhos continue em vigor). Ainda que algum progresso tenha ocorrido no setor ambiental, a maioria das reformas planejadas não foi implementada; algumas foram até revogadas.
Além disso, o envolvimento do Estado na economia vemaumentando. Ao contrário dos objetivos estabelecidos durante a Terceira Plenária, os empréstimos às empresas estatais aumentaram na última década, enquanto a participação dos empréstimos destinados ao setor privado diminuiu. Considerando-se que empresas privadas tendem a ser mais produtivas, o aumento da ênfase nas empresas estataistem contribuído para a desaceleração contínua do crescimento da produtividade chinesa.
Embora os líderes chineses tenham se concentrado cada vez mais em políticas microeconômicas e estruturais, sua disposição de buscar medidasmacroeconômicas proativas está diminuindo. Entre 2000 e 2013, o governo respondeu com eficiência aos choques econômicos, usando políticas monetárias e fiscais anticíclicas. O Banco Popular da China esfriou com sucesso a economia superaquecida e reduziu a inflação em 2007-08, aumentando as taxas de juros, apertando as exigências de reservas dos bancos e elevando a relação empréstimo/valor dos donos de imóveis. O órgão seguiu estratégia semelhante em 2010-11.
Entre esses dois episódios de superaquecimento econômico, as políticas monetárias e macroprudenciais foram afrouxadas em 2008-09 em resposta à crise financeira global. Para neutralizar as consequências econômicas da crise, o governo deu início a um grande impulso keynesiano nos gastos, permitindo que a China se recuperasse depressa da recessão.
Mas os formuladores de políticas chineses não responderam à atual recessão com sua habitual precisão anticíclica, mesmo após o colapso da bolha imobiliária e o impacto contracionista da estrita política de covid zero de Xi minarem o crescimento da produção. Em outras palavras, o PIB da China está deprimido hoje tanto pelo fracasso em implementar reformas estruturais cruciais quanto pela ausência de estratégias macroeconômicas anticíclicas eficazes.
Uma possível explicação para a aparente contradição entre a recém-descoberta desconfiança da China em relação ao estímulo fiscal e seu compromisso de longa data com a intervenção do governo nacional é que grande parte dos gastos em 2008-09 e recessões anteriores vieram de autoridades locais, que não são totalmente controladas pelo governo central. Outra é que, embora o aumento da renda disponível das famílias por meio de transferências tenha estimulado consumo e crescimento econômico, ele também teria aumentado o papel do setor privado, o que não se alinha aos objetivos do governo.
Em última análise, a tensão entre o mercado e o Estado é palpável. A suspensão da liberalização financeira foi, em parte, uma resposta à instabilidade financeira crescente, em particular à implosão da bolha do mercado de ações em junho de 2015. Outro objetivo era impedir as saídas líquidas de capital e desacelerar a depreciação do renminbi, que começou no final de 2014 e interrompeu os mercados de câmbio em agosto de 2015.
Deng Xiaoping, que assumiu o poder em 1978 e liderou as duas décadas de “reforma e abertura” da China, se tornou célebre ao fazer do “enriquecimento” uma prioridade nacional. Essa política durou 40 anos, pois os líderes do PCC viam a prosperidade econômica como a chave para manter o apoio popular.
Xi, no entanto, parece se preocupar mais com a manutenção do controle político do que com o crescimento econômico. Como consequência, em vez de marcar um momento decisivo para o desenvolvimento da China, o plano de 2013 será lembrado como uma oportunidade perdida de implementar reformas pró-mercado.
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For decades, an efficiency-centered “economic style” has dominated public policy, overriding the concerns for fairness that animated the New Deal and Lyndon B. Johnson’s Great Society. Now, Americans must brace for economic governance that delivers neither efficiency nor fairness, only chaos.
highlights the high cost of the single-minded focus on efficiency that has come to dominate the discipline.
While some observers doubt that US President-elect Donald Trump poses a grave threat to US democracy, others are bracing themselves for the destruction of the country’s constitutional order. With Trump’s inauguration just around the corner, we asked PS commentators how vulnerable US institutions really are.
CAMBRIDGE – Há dez anos, em novembro deste ano, o 18º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCC) realizou sua Terceira Plenária, delineando uma série de reformas de longo alcance destinadas a sustentar o crescimento econômico acelerado do país asiático. Naquela época, uma extrapolação ingênua baseada na diferença nas taxas de crescimento entre a China e os Estados Unidos sugeriu que o PIB da China ultrapassaria o dos Estados Unidos até 2021. Alguns especularam que isso poderia acontecer já em 2019.
Essas previsões estão longe da realidade. Com a economia dos EUA superando as expectativas e a economia chinesa desacelerando, o Goldman Sachs e outros agora estimam que o PIB da China pode não alcançar o dos EUA até 2035, ou nunca. E mesmo que isso aconteça, é provável que seja apenas temporário. O PIB da China está agora projetado para atingir o pico por volta de meados do século, após o qual sua força de trabalho encolhendo compensará quaisquer ganhos de produtividade.
Sem dúvida, em termos de paridade de poder de compra, a China já ultrapassou os EUA em 2017. Mas para muitos propósitos, como estimar as capacidades militares ou determinar as cotas do Fundo Monetário Internacional, é mais útil comparar os PIBs nacionais às taxas de câmbio atuais.
Após três décadas de crescimento anual de 10%, a economia chinesa estava fadada a desacelerar. A recuperação tecnológica, a diminuição dos retornos sobre o capital, o envelhecimento da população, a diminuição da oferta de trabalhadores dispostos a migrar para as cidades e a reversão das taxas de crescimento para a média empurraram a China para a chamada armadilha da renda média.
Mas a recessão foi mais grave do que muitos esperavam, além de parcialmente autoinfligida. Ao longo da última década, os formuladores de políticas chineses deixaram de seguir seu próprio plano de reforma, exacerbando assim a desaceleração do país.
Economistaschineses e estrangeiros viam com bons olhos o plano de reforma introduzido pelo PCC do presidente Xi Jinping em 2013, que visava reduzir a intervenção estatal na economia e enfatizava o mercado como “a força decisiva na alocação de recursos”. O plano buscava minimizar o papel das empresas estatais e criar oportunidades para as empresas privadas. Os investidores privados receberiam maiores participações acionárias nas empresas estatais, e as empresas estatais devolveriam uma parcela maior de seus lucros como dividendos. O governo visava agilizar os processos de aprovação, esclarecer quais setores permaneceriam sob controle do Estado e desregulamentar os preços de energia e serviços públicos, reduzindo assim uma forma de subsídios às empresas estatais.
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Três anos após a data prevista de implementação, contudo, o governo concretizou só algumas dessas medidas. Vale notar que a política do filho único foi finalmente abandonada em 2016 (ainda que um limite de três filhos continue em vigor). Ainda que algum progresso tenha ocorrido no setor ambiental, a maioria das reformas planejadas não foi implementada; algumas foram até revogadas.
Além disso, o envolvimento do Estado na economia vemaumentando. Ao contrário dos objetivos estabelecidos durante a Terceira Plenária, os empréstimos às empresas estatais aumentaram na última década, enquanto a participação dos empréstimos destinados ao setor privado diminuiu. Considerando-se que empresas privadas tendem a ser mais produtivas, o aumento da ênfase nas empresas estataistem contribuído para a desaceleração contínua do crescimento da produtividade chinesa.
Embora os líderes chineses tenham se concentrado cada vez mais em políticas microeconômicas e estruturais, sua disposição de buscar medidasmacroeconômicas proativas está diminuindo. Entre 2000 e 2013, o governo respondeu com eficiência aos choques econômicos, usando políticas monetárias e fiscais anticíclicas. O Banco Popular da China esfriou com sucesso a economia superaquecida e reduziu a inflação em 2007-08, aumentando as taxas de juros, apertando as exigências de reservas dos bancos e elevando a relação empréstimo/valor dos donos de imóveis. O órgão seguiu estratégia semelhante em 2010-11.
Entre esses dois episódios de superaquecimento econômico, as políticas monetárias e macroprudenciais foram afrouxadas em 2008-09 em resposta à crise financeira global. Para neutralizar as consequências econômicas da crise, o governo deu início a um grande impulso keynesiano nos gastos, permitindo que a China se recuperasse depressa da recessão.
Mas os formuladores de políticas chineses não responderam à atual recessão com sua habitual precisão anticíclica, mesmo após o colapso da bolha imobiliária e o impacto contracionista da estrita política de covid zero de Xi minarem o crescimento da produção. Em outras palavras, o PIB da China está deprimido hoje tanto pelo fracasso em implementar reformas estruturais cruciais quanto pela ausência de estratégias macroeconômicas anticíclicas eficazes.
Uma possível explicação para a aparente contradição entre a recém-descoberta desconfiança da China em relação ao estímulo fiscal e seu compromisso de longa data com a intervenção do governo nacional é que grande parte dos gastos em 2008-09 e recessões anteriores vieram de autoridades locais, que não são totalmente controladas pelo governo central. Outra é que, embora o aumento da renda disponível das famílias por meio de transferências tenha estimulado consumo e crescimento econômico, ele também teria aumentado o papel do setor privado, o que não se alinha aos objetivos do governo.
Em última análise, a tensão entre o mercado e o Estado é palpável. A suspensão da liberalização financeira foi, em parte, uma resposta à instabilidade financeira crescente, em particular à implosão da bolha do mercado de ações em junho de 2015. Outro objetivo era impedir as saídas líquidas de capital e desacelerar a depreciação do renminbi, que começou no final de 2014 e interrompeu os mercados de câmbio em agosto de 2015.
Deng Xiaoping, que assumiu o poder em 1978 e liderou as duas décadas de “reforma e abertura” da China, se tornou célebre ao fazer do “enriquecimento” uma prioridade nacional. Essa política durou 40 anos, pois os líderes do PCC viam a prosperidade econômica como a chave para manter o apoio popular.
Xi, no entanto, parece se preocupar mais com a manutenção do controle político do que com o crescimento econômico. Como consequência, em vez de marcar um momento decisivo para o desenvolvimento da China, o plano de 2013 será lembrado como uma oportunidade perdida de implementar reformas pró-mercado.
Tradução por Fabrício Calado Moreira