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Desafios fiscais da China

PEQUIM – Sempre que o crescimento do PIB da China esteve abaixo da meta, sucessivos governos têm confiado na mesma ferramenta: gasto público com investimentos em infraestrutura para estimular a economia. Mas o sucesso dos incentivos fiscais requer acertar nos detalhes da implementação.

Dois desafios se destacam. O primeiro é financiamento. Embora legisladores chineses dependam de gasto fiscal para conseguir atingir a meta oficial de crescimento, eles se sentem incomodados com a crescente taxa de alavancagem do governo e quanto ao dano moral nas esferas locais de governo. Por isso, eles relutam em financiar investimentos em infraestrutura por meio do orçamento público geral.

Em vez disso, as autoridades usam outros “fundos orçados”, que incluem títulos de propósitos especiais (special-purpose bonds – SPBs, em inglês) e receitas com a venda de direitos fundiários. Financiamentos assim são ampliados pelos “fundos autoarrecadados, obtidos principalmente por meio de emissão de títulos públicos, empréstimos bancários e empresas estatais.

Um traço notável da estrutura de captação é que, quanto mais cara uma fonte, maior sua parcela no financiamento total. Assim, o orçamento público geral – que não custa nada, do ponto de vista do investidor – representa uma parcela pequena. Segundo minhas estimativas, em 2021 essa participação foi de 10,2%, com a contribuição do governo central respondendo por cerca de apenas 0,1%. Recursos arrecadados com a venda de títulos públicos municipais – que são muito mais caros – representavam mais de 30% do financiamento total da infraestrutura.

Ao depender de fundos arrecadados com o mercado de capital e os bancos comerciais, a China torna seus investimentos em infraestrutura muito mais caros do que o necessário. E ainda que a abordagem escolhida pela China proteja a relação déficit-PIB do governo central, ela põe um ônus grande nos orçamentos dos governos locais, em particular porque investimentos em infraestrutura geralmente não dão lucro e não conseguem gerar grandes fluxos de caixa.

Só que a posição fiscal do governo central chinês é bem mais robusta do que a dos governos locais. De fato, o governo central tem consistentemente registrado superávit orçamentário, que respondeu por confortáveis 5,1% do PIB em 2021. Enquanto isso, os governos locais combinados tiveram um déficit orçamentário de 9,1% do PIB. Esse padrão básico se mantém mesmo quando se põe na conta transferências fiscais aos governos locais. Ainda que transferir o ônus de financiar investimentos em infraestrutura para os governos locais de fato desencoraje o dano moral, os custos elevados, a complexidade e a falta de transparência da estrutura de financiamento atual estão botando as dívidas dos governos locais em níveis insustentáveis – e em algum momento o governo central vai pagar um preço caro.

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O segundo maior entrave à implementação eficaz de uma política fiscal expansionista na China está na inflexibilidade dos SPBs dos governos locais. Quando surgiram, os SPBs foram comemorados como um meio transparente de financiar investimentos em infraestrutura. Como eles são relativamente baratos, ao menos na comparação com fundos autoarrecadados, os governos locais os adotaram.

Mas, com receio de que os governos locais administrassem mal os SPBs, o governo central impôs normas restritas para sua emissão e uso. Para começar, governos locais não podem emitir SPBs diretamente. Em vez disso, eles precisam comunicar seus projetos de infraestrutura e orçamentos aos governos proinviciais, que então escolhem propostas para apresentar ao governo central. Depois que o governo central aprova um projeto, o governo provincial emite SPBs e aloca os fundos arrecadados à administração de nível mais baixo relevante.

Até os fundos chegarem à administração local relevante, porém, eles podem não estar mais alinhados com as necessidades do projeto, e nem a administração local nem as empresas responsáveis pela construção podem fazer muito a respeito do desajuste. Arrecadar fundos no mercado para cobrir a diferença geralmente não é permitido.

Para reforçar a rigidez da estrutura atual, os fundos alocados devem ser usados no mesmo ano em que os SPBs são emitidos – algo impossível em muitos casos. Além disso, os SPBs devem ser quitados com a renda gerada pelos projetos financiados por eles. Por causa desta inflexibilidade, uma parcela material dos fundos arrecadados com SPBs não foi gasta nos últimos anos.

A China está certa em responder ao crescimento abaixo da meta com expansão fiscal (e monetária). Porém, decidir a direção da política econômica é só o primeiro passo. Deixando de lado as complicadas limitações não-econômicas como a política de covid zero, a China precisa também fortalecer sua implementação, tratando de desequilíbrios e entraves ao financiamento. Em particular, o governo central deveria considerar o financiamento de uma parcela maior dos próprios investimentos em infraestrutura, por meio do orçamento público geral e da emissão de títulos públicos, além de flexibilizar as regras para SPBs.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

https://prosyn.org/FAvprZgpt