estrades1_ EITAN ABRAMOVICHAFP via Getty Images_care economy montevideo EITAN ABRAMOVICH/AFP via Getty Images

Lições do Uruguai para a construção de uma economia do cuidado

MONTEVIDÉU - À medida que as populações envelhecem em todo o mundo, a demanda por serviços de atendimento está atingindo níveis sem precedentes, apresentando desafios complexos para todas as sociedades, mas principalmente para as do mundo desenvolvido. Isso também se aplica ao Uruguai, onde o perfil demográfico está mais próximo ao da América do Norte e da Europa do que ao de seus vizinhos regionais.

Uma queda acentuada na taxa de fertilidade do Uruguai ressalta a urgência de atender às necessidades de cuidados em todas as faixas etárias. Notavelmente, o Uruguai alcançou a menor taxa de pobreza da região entre os idosos, em grande parte devido às robustas transferências de seguridade social. Porém, as taxas de pobreza entre os grupos populacionais mais jovens são nove vezes maiores do que entre os mais velhos.

[Gráfico 1. Índices de pobreza por faixa etária no Uruguai 2023.

Fonte: Pesquisa doméstica continuada 2023].

Em resposta à crescente demanda por serviços de atendimento, o Uruguai implementou seu Sistema Nacional Integrado de Cuidados (SNIC) em 2015. O objetivo era oferecer cobertura universal de assistência social e de saúde para grupos vulneráveis, como crianças menores de 13 anos, pessoas com deficiência e idosos com dependência. No entanto, depois de quase uma década, o SNIC enfrenta sérios desafios.

A cobertura pública para adultos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência continua baixa, com apenas 15%, e persistem lacunas significativas na cobertura para pessoas de 30 a 79 anos com deficiências graves e para crianças de 0 a 3 anos, das quais mais de 30% recebem educação em creches especializadas. Embora a cobertura pública tenha aumentado para 57% para essa faixa etária desde 2015, grande parte da melhoria reflete o declínio das taxas de natalidade, em vez de uma melhor prestação de serviços.

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Crucialmente, o ônus do cuidado não remunerado recai de modo desproporcional sobre as mulheres, em particular aquelas com níveis mais baixos de educação e renda. As mulheres não só dominam o setor de cuidados informais, mas também arcam com o peso das responsabilidades de cuidados dentro dos lares, o que muitas vezes restringe sua participação no mercado de trabalho. As maiores diferenças de gênero com relação ao tempo de cuidado são encontradas em lares com crianças menores de 12 anos.

[Gráfico 2: Tempo médio gasto em trabalho remunerado, doméstico e trabalho não-remunerado de cuidado por gênero. Gráfico da esquerda: Todos os lares. Gráfico da direita: Lares com crianças menores de 12 anos.

Fonte: Pesquisa de uso de tempo 2021 (médias estimadas para a população acima de 15 anos.]

No setor de assistência remunerada, em que 94,9% dos trabalhadores são mulheres, as condições são marcadas pela informalidade, subemprego e salários mais baixos em comparação com a média nacional. Os trabalhadores do setor de cuidados (e domésticos) têm menos anos de educação do que a média dos trabalhadores e, no setor de cuidados privados, seus serviços não representam uma proporção significativa do orçamento de seus clientes (principalmente famílias de renda média e alta). Essas disparidades ressaltam as desigualdades sistêmicas que devem ser abordadas para garantir práticas trabalhistas justas e melhor apoio aos profissionais de assistência.

Embora o SNIC tenha feito progressos ao reconhecer o cuidado como um direito e destacar o impacto socioeconômico do cuidado, sua eficácia depende do aumento do financiamento e da ampliação da cobertura. Seu orçamento ficou estagnado (como parcela do PIB) nos últimos cinco anos, apesar da necessidade de mais recursos para reforçar a educação infantil e estender os serviços de assistência a todas as populações vulneráveis, aliviando assim a pobreza e promovendo o crescimento inclusivo.

O argumento para fornecer esses recursos é forte. Investir na educação infantil não só beneficia o desenvolvimento das crianças, mas também aumenta a produtividade e os resultados econômicos de longo prazo. As melhorias nesses parâmetros são essenciais em face da queda da taxa de fertilidade e da redução da população infantil. Ao integrar políticas que estendam a licença parental e promovam a igualdade de gênero, o Uruguai poderia capacitar ainda mais as mulheres na força de trabalho, promovendo o aumento da participação na força de trabalho.

A experiência do Uruguai ressalta a necessidade mais ampla de uma abordagem abrangente para o atendimento que promova a igualdade de gênero e a inclusão social nos setores público e privado. Ao enfatizar essas reformas, o Uruguai atenderia às suas próprias necessidades imediatas de atendimento, além de dar um exemplo global de como os países podem construir sociedades mais resilientes e inclusivas numa era de mudanças demográficas.

É fundamental melhorar as condições de vida dos grupos etários mais jovens, para que as próximas gerações de trabalhadores não consigam se integrar ao mercado de trabalho e sustentar o sistema de seguridade social por meio de impostos. Foi demonstrado que investir em educação precoce para a população mais vulnerável beneficia a saúde, o comportamento, as habilidades cognitivas e os resultados escolares das crianças no curto prazo, além de melhorar seus resultados no mercado de trabalho e sua produtividade no longo prazo - especialmente quando acompanhado de investimentos em educação mais tarde na vida.

Além disso, ao expandir a cobertura de assistência e adotar outras políticas não incluídas hoje no sistema de assistência - como a extensão da licença parental -, o Uruguai poderia incentivar uma participação maior das mulheres na força de trabalho, especialmente entre as populações mais vulneráveis. O setor de assistência pública tem muito potencial para absorver esse grupo e, se a expansão dos serviços de assistência for acompanhada de controles de qualidade e capacitação, as condições de trabalho poderão ser melhoradas no processo.

Por fim, a promoção de políticas que reforcem o papel de ambos os pais na criação dos filhos não só beneficia as mulheres, mas também promove laços mais estreitos entre pais e filhos. Do mesmo modo, as políticas destinadas a mudar as normas tradicionais de gênero contribuirão para uma distribuição mais justa do trabalho doméstico nas famílias, reduzindo assim a pobreza de tempo sofrida pelas mulheres.

Em suma, a experiência do Uruguai com o SNIC oferece lições valiosas para os formuladores de políticas em todo o mundo. Todos deveriam se concentrar no cuidado como um imperativo social, investindo no desenvolvimento da primeira infância e promovendo a igualdade de gênero - não só por motivos éticos, mas porque isso é essencial para o crescimento sustentável.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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