posner37_David BerdingGettyImages_unitedhealthcare_protest David Berding/Getty Images

O populismo pró-empresas de Trump não pode durar

CHICAGO – A erupção de alegria nas redes sociais após o assassinato do diretor executivo da UnitedHealthcare, Brian Thompson, sugere que o momento populista da América está evoluindo para algo maior e mais significativo do que só uma reação contra o poder político. Se for isso, também está virando algo que os americanos já viram antes. No final do século 19, o Partido Popular, também conhecido como Populista, tinha como alvo as grandes empresas e os políticos do establishment, acusando as grandes empresas de destruírem os meios de subsistência dos americanos e de corromperem o governo.

Esta mudança pode ser má notícia para Donald Trump. O presidente eleito dos EUA não é o primeiro político republicano que finge servir tanto o comércio como o homem esquecido; mas depois de fazer campanha ao lado de bilionários e de os convidar para seu governo, levou esta pretensão ao limite.

Os populistas americanos eram principalmente fazendeiros do Sul e do Meio-Oeste, cujas fortunas despencaram à medida que o país se industrializava e o centro de gravidade cultural se deslocava para as cidades. Ambos os grandes partidos negligenciaram os interesses agrários ao reviverem a Guerra Civil e procurarem o apoio da classe comercial em ascensão (no caso dos republicanos) e das populações étnicas em expansão nas cidades (no caso dos democratas). Os fazendeiros, atingidos pela “Grande Deflação” causada pela insistência do governo em pagar a dívida de guerra, decidiram se mobilizar, conseguindo o domínio político em vários Estados e maior influência no Congresso.

Os populistas odiavam as elites governamentais em Washington, mas também odiavam as novas empresas, em particular as ferrovias. Acreditavam que estas últimas os discriminavam no mercado e corrompiam o governo através de subornos e outras formas de influência política. Ainda assim, embora considerassem que todo o sistema estava podre, não tinham uma ideia clara de como reformá-lo. Muitos líderes populistas esperavam que um presidente do tipo Napoleão chegasse ao poder e varresse do mapa as grandes empresas e o grande governo. Como essas duas forças estavam ligadas por tentáculos de corrupção, só um líder sem raízes na política convencional poderia atingir esse objetivo.

É uma história conhecida. Trump ganhou a presidência em 2016 atacando os establishments políticos de ambos os partidos, bem como o “Estado profundo” (a burocracia federal). Mas, tanto por necessidade como por conveniência, raramente atacou a classe bilionária a que pertencia. Apesar de culpar a classe política por ignorar a imigração ilegal, globalizar o comércio e interferir em conflitos estrangeiros -, o que ele vê como as raízes dos problemas da América -, ele não se opôs ao grande capital. Em vez disso, limitou-se a atacar os líderes empresariais que criticaram a ele e aos seus programas, bem como as plataformas de redes sociais que, na opinião de Trump, estavam censurando-o, assim como seus seguidores.

Ao contrário do que aconteceu nas suas campanhas anteriores, Trump se beneficiou em 2024 de um establishment empresarial submisso, e retribuiu trazendo bilionários para o seu círculo íntimo. Elon Musk, agora o mais destacado animador de torcida e substituto de Trump, contribuiu com mais de 250 milhões de dólares para a sua campanha. Entretanto, outros - incluindo o fundador da Amazon, Jeff Bezos, o investidor bilionário Nelson Peltz e o diretor executivo da Blackstone, Stephen Schwarzman - fizeram as pazes com Trump ou estão tentando fazê-lo. A ala libertária do Silicon Valley juntou-se a eles com grande entusiasmo. Ela lucrará muito quando Trump cumprir sua promessa de desregulamentar a criptografia.

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Contudo, se os dólares e o apoio dos bilionários ajudaram Trump a ganhar, o mesmo aconteceu com os votos de seus apoiadores mais leais, a grande maioria dos quais não é rica. Muitos são trabalhadores sem formação universitária e menos qualificados e conservadores sociais religiosos que se tornaram cada vez mais hostis em relação às empresas. Trump aproveitou esta hostilidade ao atacar as grandes empresas de tecnologia e criticar as tentativas das empresas americanas de apaziguar a esquerda com programas de diversidade e objectivos climáticos.

A questão agora é saber se o populismo anticorporativo vai crescer nos Estados Unidos como aconteceu há 140 anos. A comemoração online do assassínio de Thompson não foi notoriamente partidária. Em geral, os americanos têm hoje uma opinião pouco positiva sobre as elites empresariais, com apenas 16% dos participantes dizendo ao Gallup que confiam “muito” ou “bastante” nas grandes empresas. Este valor é inferior ao de quase todas as outras instituições avaliadas pelos entrevistados, incluindo os sindicatos, as forças armadas, a religião organizada, as escolas públicas, o ensino superior, a presidência e as pequenas empresas. De fato, os sindicatos têm se beneficiado de um clima cada vez mais anti-empresarial, tal como os “trustbusters” (autoridades antitruste) do governo.

Os europeus devem estar coçando a cabeça. As grandes empresas tecnológicas americanas podem ser muito odiadas no seu país, mas são invejadas num continente que luta para gerar seus próprios criadores de riqueza inovadores. A verdade, porém, é que as enormes capitalizações bolsistas destas empresas se devem tanto ao seu estatuto de monopólio como à inovação. Há tempos elas desvalorizam os danos sociais significativos que causam e vêm fazendo lobby constante com os tomadores de decisões políticas para barrar a regulamentação. Não é de admirar que seu domínio sobre a cultura americana seja agora fonte de ressentimento profundo tanto da esquerda quanto da direita.

Embora as eleições de 2024 tenham acabado com a esperança de que a turbulência populista da América terminasse com o governo Biden, resta saber que forma o movimento irá assumir. Os populistas do século 19 foram se extinguindo à medida que a deflação diminuía e o nível de vida dos agricultores melhorava no final do século, e quando os líderes do partido perceberam que sua melhor opção era fundir-se com os democratas. Mas o impulso populista não desapareceu. No século 20, a hostilidade generalizada contra os negócios encontrou novamente um lar no Partido Democrata, e os republicanos se tornaram o partido hostil ao governo.

O novo governo Trump prometeu prender os estrangeiros ilegais e aumentar as tarifas, mas é provável que não consiga revigorar a economia para as massas, que ficarão a ver os ricos enriquecerem com as criptomoedas e a IA. Se Trump não for pra cima da classe empresarial nem atirar as culpas a seus pés, alguém o fará. Talvez então as elites empresariais apareçam enfim na mira da política econômica, e não só na de atiradores solitários.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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