CHICAGO – A erupção de alegria nas redes sociais após o assassinato do diretor executivo da UnitedHealthcare, Brian Thompson, sugere que o momento populista da América está evoluindo para algo maior e mais significativo do que só uma reação contra o poder político. Se for isso, também está virando algo que os americanos já viram antes. No final do século 19, o Partido Popular, também conhecido como Populista, tinha como alvo as grandes empresas e os políticos do establishment, acusando as grandes empresas de destruírem os meios de subsistência dos americanos e de corromperem o governo.
Esta mudança pode ser má notícia para Donald Trump. O presidente eleito dos EUA não é o primeiro político republicano que finge servir tanto o comércio como o homem esquecido; mas depois de fazer campanha ao lado de bilionários e de os convidar para seu governo, levou esta pretensão ao limite.
Os populistas americanos eram principalmente fazendeiros do Sul e do Meio-Oeste, cujas fortunas despencaram à medida que o país se industrializava e o centro de gravidade cultural se deslocava para as cidades. Ambos os grandes partidos negligenciaram os interesses agrários ao reviverem a Guerra Civil e procurarem o apoio da classe comercial em ascensão (no caso dos republicanos) e das populações étnicas em expansão nas cidades (no caso dos democratas). Os fazendeiros, atingidos pela “Grande Deflação” causada pela insistência do governo em pagar a dívida de guerra, decidiram se mobilizar, conseguindo o domínio político em vários Estados e maior influência no Congresso.
Os populistas odiavam as elites governamentais em Washington, mas também odiavam as novas empresas, em particular as ferrovias. Acreditavam que estas últimas os discriminavam no mercado e corrompiam o governo através de subornos e outras formas de influência política. Ainda assim, embora considerassem que todo o sistema estava podre, não tinham uma ideia clara de como reformá-lo. Muitos líderes populistas esperavam que um presidente do tipo Napoleão chegasse ao poder e varresse do mapa as grandes empresas e o grande governo. Como essas duas forças estavam ligadas por tentáculos de corrupção, só um líder sem raízes na política convencional poderia atingir esse objetivo.
É uma história conhecida. Trump ganhou a presidência em 2016 atacando os establishments políticos de ambos os partidos, bem como o “Estado profundo” (a burocracia federal). Mas, tanto por necessidade como por conveniência, raramente atacou a classe bilionária a que pertencia. Apesar de culpar a classe política por ignorar a imigração ilegal, globalizar o comércio e interferir em conflitos estrangeiros -, o que ele vê como as raízes dos problemas da América -, ele não se opôs ao grande capital. Em vez disso, limitou-se a atacar os líderes empresariais que criticaram a ele e aos seus programas, bem como as plataformas de redes sociais que, na opinião de Trump, estavam censurando-o, assim como seus seguidores.
Ao contrário do que aconteceu nas suas campanhas anteriores, Trump se beneficiou em 2024 de um establishment empresarial submisso, e retribuiu trazendo bilionários para o seu círculo íntimo. Elon Musk, agora o mais destacado animador de torcida e substituto de Trump, contribuiu com mais de 250 milhões de dólares para a sua campanha. Entretanto, outros - incluindo o fundador da Amazon, Jeff Bezos, o investidor bilionário Nelson Peltz e o diretor executivo da Blackstone, Stephen Schwarzman - fizeram as pazes com Trump ou estão tentando fazê-lo. A ala libertária do Silicon Valley juntou-se a eles com grande entusiasmo. Ela lucrará muito quando Trump cumprir sua promessa de desregulamentar a criptografia.
At a time when democracy is under threat, there is an urgent need for incisive, informed analysis of the issues and questions driving the news – just what PS has always provided. Subscribe now and save $50 on a new subscription.
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Contudo, se os dólares e o apoio dos bilionários ajudaram Trump a ganhar, o mesmo aconteceu com os votos de seus apoiadores mais leais, a grande maioria dos quais não é rica. Muitos são trabalhadores sem formação universitária e menos qualificados e conservadores sociais religiosos que se tornaram cada vez mais hostis em relação às empresas. Trump aproveitou esta hostilidade ao atacar as grandes empresas de tecnologia e criticar as tentativas das empresas americanas de apaziguar a esquerda com programas de diversidade e objectivos climáticos.
A questão agora é saber se o populismo anticorporativo vai crescer nos Estados Unidos como aconteceu há 140 anos. A comemoração online do assassínio de Thompson não foi notoriamente partidária. Em geral, os americanos têm hoje uma opinião pouco positiva sobre as elites empresariais, com apenas 16% dos participantes dizendo ao Gallup que confiam “muito” ou “bastante” nas grandes empresas. Este valor é inferior ao de quase todas as outras instituições avaliadas pelos entrevistados, incluindo os sindicatos, as forças armadas, a religião organizada, as escolas públicas, o ensino superior, a presidência e as pequenas empresas. De fato, os sindicatos têm se beneficiado de um clima cada vez mais anti-empresarial, tal como os “trustbusters” (autoridades antitruste) do governo.
Os europeus devem estar coçando a cabeça. As grandes empresas tecnológicas americanas podem ser muito odiadas no seu país, mas são invejadas num continente que luta para gerar seus próprios criadores de riqueza inovadores. A verdade, porém, é que as enormes capitalizações bolsistas destas empresas se devem tanto ao seu estatuto de monopólio como à inovação. Há tempos elas desvalorizam os danos sociais significativos que causam e vêm fazendo lobby constante com os tomadores de decisões políticas para barrar a regulamentação. Não é de admirar que seu domínio sobre a cultura americana seja agora fonte de ressentimento profundo tanto da esquerda quanto da direita.
Embora as eleições de 2024 tenham acabado com a esperança de que a turbulência populista da América terminasse com o governo Biden, resta saber que forma o movimento irá assumir. Os populistas do século 19 foram se extinguindo à medida que a deflação diminuía e o nível de vida dos agricultores melhorava no final do século, e quando os líderes do partido perceberam que sua melhor opção era fundir-se com os democratas. Mas o impulso populista não desapareceu. No século 20, a hostilidade generalizada contra os negócios encontrou novamente um lar no Partido Democrata, e os republicanos se tornaram o partido hostil ao governo.
O novo governo Trump prometeu prender os estrangeiros ilegais e aumentar as tarifas, mas é provável que não consiga revigorar a economia para as massas, que ficarão a ver os ricos enriquecerem com as criptomoedas e a IA. Se Trump não for pra cima da classe empresarial nem atirar as culpas a seus pés, alguém o fará. Talvez então as elites empresariais apareçam enfim na mira da política econômica, e não só na de atiradores solitários.
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Bashar al-Assad’s fall from power has created an opportunity for the political and economic reconstruction of a key Arab state. But the record of efforts to stabilize post-conflict societies in the Middle East is littered with failure, and the next few months will most likely determine Syria's political trajectory.
say that Syrians themselves must do the hard work, but multilateral assistance has an important role to play.
The US president-elect has vowed to round up illegal immigrants and raise tariffs, but he will probably fail to reinvigorate the economy for the masses, who will watch the rich get richer on crypto and AI. America has been here before, and if Trump doesn’t turn on the business class and lay the blame at its feet, someone else will.
thinks the next president will be forced to choose between big business and the forgotten man.
CHICAGO – A erupção de alegria nas redes sociais após o assassinato do diretor executivo da UnitedHealthcare, Brian Thompson, sugere que o momento populista da América está evoluindo para algo maior e mais significativo do que só uma reação contra o poder político. Se for isso, também está virando algo que os americanos já viram antes. No final do século 19, o Partido Popular, também conhecido como Populista, tinha como alvo as grandes empresas e os políticos do establishment, acusando as grandes empresas de destruírem os meios de subsistência dos americanos e de corromperem o governo.
Esta mudança pode ser má notícia para Donald Trump. O presidente eleito dos EUA não é o primeiro político republicano que finge servir tanto o comércio como o homem esquecido; mas depois de fazer campanha ao lado de bilionários e de os convidar para seu governo, levou esta pretensão ao limite.
Os populistas americanos eram principalmente fazendeiros do Sul e do Meio-Oeste, cujas fortunas despencaram à medida que o país se industrializava e o centro de gravidade cultural se deslocava para as cidades. Ambos os grandes partidos negligenciaram os interesses agrários ao reviverem a Guerra Civil e procurarem o apoio da classe comercial em ascensão (no caso dos republicanos) e das populações étnicas em expansão nas cidades (no caso dos democratas). Os fazendeiros, atingidos pela “Grande Deflação” causada pela insistência do governo em pagar a dívida de guerra, decidiram se mobilizar, conseguindo o domínio político em vários Estados e maior influência no Congresso.
Os populistas odiavam as elites governamentais em Washington, mas também odiavam as novas empresas, em particular as ferrovias. Acreditavam que estas últimas os discriminavam no mercado e corrompiam o governo através de subornos e outras formas de influência política. Ainda assim, embora considerassem que todo o sistema estava podre, não tinham uma ideia clara de como reformá-lo. Muitos líderes populistas esperavam que um presidente do tipo Napoleão chegasse ao poder e varresse do mapa as grandes empresas e o grande governo. Como essas duas forças estavam ligadas por tentáculos de corrupção, só um líder sem raízes na política convencional poderia atingir esse objetivo.
É uma história conhecida. Trump ganhou a presidência em 2016 atacando os establishments políticos de ambos os partidos, bem como o “Estado profundo” (a burocracia federal). Mas, tanto por necessidade como por conveniência, raramente atacou a classe bilionária a que pertencia. Apesar de culpar a classe política por ignorar a imigração ilegal, globalizar o comércio e interferir em conflitos estrangeiros -, o que ele vê como as raízes dos problemas da América -, ele não se opôs ao grande capital. Em vez disso, limitou-se a atacar os líderes empresariais que criticaram a ele e aos seus programas, bem como as plataformas de redes sociais que, na opinião de Trump, estavam censurando-o, assim como seus seguidores.
Ao contrário do que aconteceu nas suas campanhas anteriores, Trump se beneficiou em 2024 de um establishment empresarial submisso, e retribuiu trazendo bilionários para o seu círculo íntimo. Elon Musk, agora o mais destacado animador de torcida e substituto de Trump, contribuiu com mais de 250 milhões de dólares para a sua campanha. Entretanto, outros - incluindo o fundador da Amazon, Jeff Bezos, o investidor bilionário Nelson Peltz e o diretor executivo da Blackstone, Stephen Schwarzman - fizeram as pazes com Trump ou estão tentando fazê-lo. A ala libertária do Silicon Valley juntou-se a eles com grande entusiasmo. Ela lucrará muito quando Trump cumprir sua promessa de desregulamentar a criptografia.
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A questão agora é saber se o populismo anticorporativo vai crescer nos Estados Unidos como aconteceu há 140 anos. A comemoração online do assassínio de Thompson não foi notoriamente partidária. Em geral, os americanos têm hoje uma opinião pouco positiva sobre as elites empresariais, com apenas 16% dos participantes dizendo ao Gallup que confiam “muito” ou “bastante” nas grandes empresas. Este valor é inferior ao de quase todas as outras instituições avaliadas pelos entrevistados, incluindo os sindicatos, as forças armadas, a religião organizada, as escolas públicas, o ensino superior, a presidência e as pequenas empresas. De fato, os sindicatos têm se beneficiado de um clima cada vez mais anti-empresarial, tal como os “trustbusters” (autoridades antitruste) do governo.
Os europeus devem estar coçando a cabeça. As grandes empresas tecnológicas americanas podem ser muito odiadas no seu país, mas são invejadas num continente que luta para gerar seus próprios criadores de riqueza inovadores. A verdade, porém, é que as enormes capitalizações bolsistas destas empresas se devem tanto ao seu estatuto de monopólio como à inovação. Há tempos elas desvalorizam os danos sociais significativos que causam e vêm fazendo lobby constante com os tomadores de decisões políticas para barrar a regulamentação. Não é de admirar que seu domínio sobre a cultura americana seja agora fonte de ressentimento profundo tanto da esquerda quanto da direita.
Embora as eleições de 2024 tenham acabado com a esperança de que a turbulência populista da América terminasse com o governo Biden, resta saber que forma o movimento irá assumir. Os populistas do século 19 foram se extinguindo à medida que a deflação diminuía e o nível de vida dos agricultores melhorava no final do século, e quando os líderes do partido perceberam que sua melhor opção era fundir-se com os democratas. Mas o impulso populista não desapareceu. No século 20, a hostilidade generalizada contra os negócios encontrou novamente um lar no Partido Democrata, e os republicanos se tornaram o partido hostil ao governo.
O novo governo Trump prometeu prender os estrangeiros ilegais e aumentar as tarifas, mas é provável que não consiga revigorar a economia para as massas, que ficarão a ver os ricos enriquecerem com as criptomoedas e a IA. Se Trump não for pra cima da classe empresarial nem atirar as culpas a seus pés, alguém o fará. Talvez então as elites empresariais apareçam enfim na mira da política econômica, e não só na de atiradores solitários.
Tradução por Fabrício Calado Moreira