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Travar a agitação alimentada pela dívida nos mercados emergentes

NAIROBI – Os recentes protestos no Quénia refletem as aspirações frustradas dos jovens por serviços sociais de melhor qualidade e melhores oportunidades económicas. Também destacam a dificuldade – no Quénia e em todo o mundo em desenvolvimento – de alcançar a estabilidade macroeconómica em tempos de considerável incerteza global. Como podem o Quénia e outras economias em desenvolvimento superar os desafios que enfrentam?

Os efeitos da recente política monetária contracionista nos Estados Unidos ainda se fazem sentir. Costuma-se dizer que quando os EUA espirram, o mundo apanha uma constipação. De facto, as economias avançadas, de uma forma mais geral, podem espalhar facilmente “agentes patogénicos” económicos, sobretudo para as economias em desenvolvimento pequenas e abertas. Mas as doenças que causam variam, assim como os medicamentos necessários.

Nos últimos anos, o governo do presidente queniano William Ruto tem tentado pagar grandes empréstimos estrangeiros – contraídos em grande parte para financiar a construção de infraestruturas – no meio de uma série de choques internacionais negativos. O mesmo tem acontecido com o governo do presidente Hakainde Hichilema da Zâmbia. Mas enquanto a dívida externa da Zâmbia atingiu 80% do PIB em 2020 – um nível claramente insustentável, a do Quénia é de apenas 37% do PIB. Consequentemente, qualquer intervenção no Quénia deve centrar-se na atenuação das restrições de financiamento a curto prazo e não na reestruturação prolongada da dívida.

Até à data, nenhum dos países obteve o remédio de que necessita. Em 2020, a Zâmbia tornou-se um dos primeiros países a candidatar-se ao Quadro Comum para o Tratamento da Dívida, do G20, que envolveu a coordenação de um grupo grande e heterogéneo de credores, incluindo o Clube de Paris de nações soberanas com economias avançadas, a China, a Índia, a Arábia Saudita e atores privados. Quase quatro anos depois, a reestruturação da dívida da Zâmbia ainda não está concluída, embora o país tenha passado por um ajustamento económico angustiante (com pouco apoio financeiro).

O Quénia tem sido a cobaia de uma abordagem diferente. Desenvolveu uma estratégia em três vertentes que envolveu ajustamentos económicos destinados a impulsionar o crescimento, o apoio das instituições financeiras internacionais (IFI) e um reescalonamento do pagamento da dívida a outros credores. Esta é a estratégia correta para uma economia que tem falta de liquidez mas não é insolvente. Mas, dado o nível de coordenação internacional necessário, implementá-la com sucesso não é tarefa fácil, especialmente numa altura em que os mercados de capitais estão cautelosos, as tensões geopolíticas estão a agravar-se e a procura de financiamento das IFI está a aumentar.

Ruto aprendeu isto em primeira mão. Há dois anos que viaja pelo mundo – desde o Fórum de Paris até à Assembleia Geral das Nações Unidas e ao Fórum da Iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” – tentando reunir apoios para a sua estratégia. Mais recentemente, efetuou uma visita oficial aos EUA, onde juntamente com o presidente Joe Biden emitiram uma declaração conjunta de apoio ao plano. No entanto, três pontos fracos importantes impediram a realização de progressos.

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O primeiro foi um calendário excessivamente curto para restabelecer o equilíbrio orçamental. O Quénia chegou a um acordo com o Fundo Monetário Internacional, em 2021, sobre um programa plurianual para apoiar a resposta do país à COVID-19 e ajudar a reduzir o seu peso da dívida. Mas os requisitos do acordo – principalmente a redução do défice orçamental em quatro pontos percentuais (em termos de percentagem do PIB) ao longo de três anos – eram invulgarmente rigorosos e acabaram por se revelar irrealistas. Para piorar a situação, quando as metas iniciais não foram cumpridas, o Quénia foi pressionado a aumentar de forma colossal os impostos em 2% do PIB num único ano (2024). O que o Quénia precisava era de um ajustamento mais gradual, mas isso teria exigido mais financiamento.

Isto leva-nos ao segundo ponto fraco: o Quénia tem-se debatido com pagamentos de amortização muito elevados desde 2019, e espera-se que esta situação persista até 2028, com o serviço da dívida a credores privados e chineses a rondar os 2,5 mil milhões de dólares por ano. Embora o Quénia tenha assegurado compromissos de financiamento muito elevados, tanto do FMI como do Banco Mundial, estes foram insuficientes para compensar esses pagamentos.

A partir de 2022, numa base líquida, os fluxos financeiros estavam a sair do Quénia e o saldo continuava a piorar. Inicialmente, os mercados de capitais deixaram de conceder novos financiamentos ao Quénia, tal como aconteceu com outros países africanos em 2022. Quando, finalmente, foi possível voltar a contrair empréstimos em 2024, a euro-obrigação de 2 mil milhões de dólares que venceu em junho só pôde ser (parcialmente) renovada a uma taxa de juro muito elevada (10,4%). Com o risco de incumprimento aparentemente a aumentar, era pouco provável que os credores bilaterais, como a China, concordassem com o reescalonamento de três a cinco anos de que o Quénia necessita.

O terceiro ponto fraco é a falta de credibilidade da estratégia de crescimento do Quénia, que exige grandes investimentos. Afinal, se o Quénia não conseguir refinanciar a sua dívida externa, terá de o fazer a nível interno, o que afasta o investimento privado, aumenta o risco do setor financeiro e enfraquece a moeda, conduzindo a mais inflação e instabilidade. Nada disto é propício ao crescimento.

O Quénia é apenas a ponta do icebergue; a falta de liquidez afeta muitos outros países de rendimento baixo,  bem como de rendimento médio-baixo. Por isso, é importante tirar todas as lições possíveis da experiência do Quénia.

Em primeiro lugar, os esforços para mobilizar receitas internas devem ser realistas e alargados a médio prazo. Em segundo lugar, para baixar as taxas de refinanciamento, as IFI devem sinalizar de forma mais credível o seu compromisso com um programa de crescimento plurianual, por exemplo, comprometendo-se a garantir uma parte da dívida refinanciada. Em terceiro lugar, os credores oficiais devem ser envolvidos desde cedo e os seus compromissos têm de estar dependentes do refinanciamento da dívida privada a uma taxa razoável. Tal como propusemos noutras ocasiões, estas ações podem ser reunidas num novo e ambicioso quadro do FMI e do Banco Mundial, que ofereça um financiamento mais elevado e apoio ao reescalonamento da dívida aos países solventes que apresentem um plano de crescimento credível.

Como demonstram os recentes protestos, o Quénia apresenta fragilidades significativas em matéria de governação, incluindo uma prestação de serviços inadequada e elevados níveis de corrupção. Mas, tal como muitos outros países de rendimento médio-baixo, tem também um grande potencial de crescimento, assente em pontos fortes estruturais. Os progressos impressionantes no avanço da transição ecológica – o seu cabaz energético inclui quase 80% de energias renováveis – melhoram ainda mais as suas perspetivas. A melhoria da saúde orçamental contribuiria em grande medida para permitir ao Quénia resolver os seus pontos fracos e tirar partido dos seus pontos fortes. 

Embora os líderes do G7 tenham reconhecido, na sua última cimeira, a necessidade de uma coordenação ativa para resolver os problemas da dívida, e é provável que os líderes do G20 sigam o exemplo na sua cimeira no Rio de Janeiro, no próximo mês de novembro, a tarefa agora é traduzir as boas intenções em medidas eficazes.

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