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A Nova Política Industrial

MARRAKESH – A política industrial está de volta. E com força total nos Estados Unidos, onde durante décadas a ideologia e a política dominantes minimizaram os esforços do governo para influenciar a estrutura da economia. Agora, em contrapartida, temos a Lei de Emprego e Investimento em Infraestruturas , a Lei CHIPS e Ciência e a Lei de Redução da Inflação, todas com componentes significativos de política industrial.

E o que acontece nos EUA não fica só nos EUA. Outros países, que igualmente buscam preservar e melhorar suas bases industriais, tem reagido com medidas comparáveis. A questão é se o retorno desses esforços liderados pelo governo deveria ser bem-vindo.

A política industrial tem uma longa história, que remonta a Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos, e ao seu Relatório sobre as Manufaturas (1791), se não ainda mais antiga, a Jean-Baptiste Colbert, primeiro-ministro do rei Luís 14 na década de 1660. No final do século 20, porém, a política industrial caiu em desuso. Modelos simples de economia de mercado não proporcionavam qualquer justificativa para uma intervenção governamental seletiva para promover indústrias específicas em locais específicos.

As evidências que apoiam a eficácia das políticas industriais eram fracas. Observou-se que a oferta de incentivos fiscais e tarifas abriu a porta à procura de renda, levando à dissipação de recursos e à extensão de subsídios a produtores ineficientes e não merecedores.

Entretanto, estudos recentes contribuíram muito para reabrir esse argumento. Novas teorizações emprestaram rigor intelectual ao modelo de industrialização do “grande impulso”, segundo o qual os mercados deixados à sua própria sorte não conseguem coordenar a expansão simultânea de indústrias complementares, nenhuma das quais é viável na ausência das outras. Essa investigação também aperfeiçoou a nossa compreensão das condições sob as quais a proteção temporária  permite que uma indústria nascente se mantenha de pé. Mostrou que mesmo sob um regime bem concebido de direitos de propriedade intelectual que equilibra os incentivos à inovação com os benefícios da difusão, os criadores de novas tecnologias podem não conseguir captar todos os retornos dos seus esforços.

Em termos empíricos, as recentes histórias econômicas fornecem convincentes narrativas sobre o papel fundamental das políticas governamentais na promoção da industrialização no século  19. Rigorosos estudos documentam como políticas locais, como a Autoridade do Vale do Tennessee, continuaram a encorajar o emprego na indústria transformadora na região afetada, mesmo depois de as transferências federais terem caducado.

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Outros novos trabalhos mostram como os investimentos da época da Segunda Guerra Mundial em fábricas da indústria da defesa norte americana resultaram em aumentos permanentes no emprego regional e numa persistente expansão do trabalho industrial com salários elevados. Ainda outras recentes pesquisas mostram como o impulso da Indústria Química e  Pesada da década de 1970 na Coreia do Sul continuou a promover a expansão e a dinâmica vantagem comparativa  das indústrias visadas, juntamente com as dos seus fornecedores, mesmo  após o término do programa.

Esta bolsa foi realizada tendo como pano de fundo de duas tendências, uma nacional e outra internacional, tornando suas conclusões ainda mais oportunas e convincentes. Ao nível interno, tornou-se claro que delegar ao mercado o controle sobre o desenvolvimento econômico corria o risco de deixar para trás significativas populações e regiões.

O fato de as forças de mercado, deixadas à sua própria sorte, não levantarem automaticamente todos os barcos é uma questão de economia básica, claro, embora durante algum tempo a questão tenha sido convenientemente esquecida em nome da pureza ideológica. Em última análise, as concentrações de pobreza e o constante despovoamento em regiões como os Apalaches serviram como um poderoso sinal de alerta. A reação populista contra uma elite governante que permitiu  que essas condições persistissem criou uma justificação política para medidas mais intervencionistas, mesmo que apenas para ajudar essa elite a permanecer no poder.

Em nível internacional, a rivalidade geopolítica entre China e Ocidente criou uma base lógica para políticas de relocalização e de desenvolvimento de indústrias consideradas essenciais para a segurança nacional. A teoria econômica e o direito internacional há muito que reconhecem a existência de uma exceção de segurança nacional ao comércio livre. As tensões com a China têm servido para relembrar esse fato fundamental.

Mas mesmo que a dinâmica do desenvolvimento industrial, os problemas das regiões deprimidas e os imperativos da defesa nacional forneçam convincentes razões econômicas para a política industrial, a objeção político-econômica permanece. A procura de renda é generalizada. Há incerteza sobre quais setores e empresas irão aumentar sua eficiência com uma infusão de fundos públicos. Quais indústrias merecem a exceção de segurança nacional é uma questão controversa.

Em outras palavras, o que garante que o processo político produzirá políticas dirigidas às indústrias certas, aquelas que são merecedoras pelos motivos acima mencionados?

A recente pesquisa sobre a economia da política industrial precisa ser complementada por trabalhos sobre a sua economia política. Poderão as decisões sobre quem subsidiar serem delegadas a comissões independentes, seguindo o modelo das comissões de encerramento de bases militares dos EUA?

Se, por outro lado, a autoridade for delegada a um diretor de programa destacado pela indústria ou pelo contexto acadêmico, como no caso da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada dos EUA, como esse diretor seria selecionado? O que garantirá que esta pessoa consulte adequadamente os beneficiários do financiamento e que o desempenho dos beneficiários seja monitorado de perto?

“É a economia, estúpido”, observou o famoso estrategista de campanha política James Carville. Esse pode ser um mantra útil para vencer eleições. Quando se trata de políticas industriais bem-sucedidas, porém, o que importa é a política.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

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