byanyima6_MONIRUL BHUIYANAFP via Getty Images_africavaccine Monirul Bhuiyan/AFP via Getty Images

Vamos acabar com os monopólios de vacinas, agora!

GENEBRA – Este mês, o mundo poderia estar a comemorar o abrandamento da pandemia de COVID-19. Em vez disso, o apartheid das vacinas e a produção restrita continuam a alimentar a disseminação do novo coronavírus.

Passou um ano desde que as primeiras vacinas contra a COVID-19 foram aprovadas, dando esperança de que a humanidade pudesse ficar livre desta doença. Os cientistas fizeram a sua parte, criando vacinas seguras e eficazes a uma velocidade sem precedentes. Mas os líderes mundiais falharam na sua entrega a toda a gente.

Os especialistas em saúde pública, os governos de países em desenvolvimento e a Aliança Vacinas do Povo avisaram que a baixa cobertura de vacinação que persiste em grandes partes do mundo criaria o risco de novas variantes e prolongaria a pandemia.

Argumentámos que o fim da pandemia exigia que os países em desenvolvimento pudessem produzir as suas próprias vacinas. Aconselhámos os países ricos a partilhar os direitos à tecnologia das vacinas e aos tratamentos para a COVID-19, eliminando as barreiras na Organização Mundial do Comércio (OMC). Ex-líderes mundiais, vencedores do prémio Nobel, enfermeiros, juristas e milhões de indivíduos fizeram eco a este apelo.

Mas os países ricos fizeram ouvidos moucos, curvando-se à pressão das empresas farmacêuticas. Apesar de receberem grandes quantias de financiamento público para produzirem as vacinas, estas empresas ainda ditam os termos de fornecimento, distribuição e preço. A Pfizer, a Moderna e a BioNTech estão a ter, sozinhas, um lucro de 1000 dólares por segundo com as suas vacinas contra a COVID-19.

Colocar os lucros em primeiro lugar resultou em menos de 4% de pessoas totalmente vacinadas nos países de baixo rendimento, criando um terreno fértil ideal para novas variantes. Enquanto isso, pelo menos cinco milhões de pessoas já morreram com o vírus em todo o mundo – embora alguns cálculos atribuam um número consideravelmente mais alto.

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Em África, a dor mistura-se com a raiva. O continente continua desprotegido – apenas um quarto dos profissionais de saúde africanos está totalmente vacinado – e está a mentalizar-se para mais variantes. Tal como muitos africanos, perdi amigos e familiares devido a esta doença. No meu país natal, Uganda, os familiares exaustos não anunciam mais mortes – muito menos relatam casos. Em África, seis em cada sete casos de COVID-19 não foram detetados.

Parece um déjà vu. Entre 1997 e 2006, 12 milhões de africanos morreram de VIH/SIDA porque os monopólios farmacêuticos excluíram os países pobres de terem medicamentos antirretrovirais que salvam vidas. Para terem acesso, foi necessário um movimento vigoroso que começou com pessoas que viviam com VIH e alargou-se com outras vozes, desde médicos e líderes religiosos até Nelson Mandela, com o objetivo de incluir toda a gente. Por fim, os governos e os fabricantes de medicamentos genéricos na Índia, Tailândia, Brasil e noutros lugares trabalharam juntos para acabar com o monopólio e o preço dos medicamentos para o vírus que causa a sida, VIH, caiu 99%.

Vamos imaginar que o mundo tinha aprendido as lições dessa injustiça histórica. Vamos imaginar que há um ano os líderes mundiais concordaram em compensar generosamente os criadores das vacinas, mas não lhes deram direitos exclusivos. Vamos imaginar que se eles insistissem que, para se qualificarem para dezenas de milhares de milhões de dólares em financiamento público, os fabricantes de vacinas teriam de partilhar abertamente qualquer fórmula de sucesso. Vamos imaginar que tinham concordado em pagar a fabricantes qualificados em todos os lugares – nos países desenvolvidos e nos paísesem desenvolvimento – para produzir as vacinas. E vamos imaginar que os governos começaram a criar capacidade de produção adicional suficiente em todo o mundo há mais de um ano, em vez de dependerem de um punhado de monopólios corporativos para redirecionar algumas fábricas.

É um desastre moral que algumas pessoas estejam a ganhar milhares de milhões de dólares ao empoleirarem-se na tecnologia das vacinas, enquanto milhares de milhões ficam desprotegidos e milhões sucumbem a mortes evitáveis. Temos de imaginar uma forma diferente, uma que vacinaria o mundo, faria face às variantes conhecidas e futuras e promoveria uma recuperação económica global e equitativa no seguimento da pandemia. Tal como o presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, acabou com os monopólios industriais para combater a tirania na Segunda Guerra Mundial, também os Estados Unidos podem ajudar o mundo a superar os monopólios farmacêuticos para combater a COVID-19.

Os países ricos têm de aumentar as doações de doses em excesso e acabar com a acumulação de vacinas. Apesar das repetidas proclamações, até outubro, os países ricos entregaram apenas 14% de 1,8 mil milhões de doses de vacinas prometidas (já por si um número inadequado). Estes países também podem facilitar a compra de vacinas. No entanto, mesmo quando os países africanos compram os seus próprios abastecimentos – como fez Botswana, ao comprar meio milhão de doses da Moderna a 29 dólares cada dose, mais do que os países ricos pagam – as empresas muitas vezes não cumprem os seus compromissos de entrega.

Mas as doações e a caridade, embora bem-vindas, nunca serão suficientes. Para acabar com a pandemia, os países em desenvolvimento têm de ter o direito e as receitas para fabricar os seus próprios abastecimentos confiáveis de vacinas seguras e eficazes.

O governo dos Estados Unidos financiou e codesenvolveu a vacina vendida pela Moderna através de um acordo com os Institutos Nacionais da Saúde. Se o know-how da produção fosse partilhado com a Organização Mundial da Saúde através da sua plataforma mRNA contra a COVID-19 de África do Sul, os fabricantes qualificados em todo o mundo poderiam começar a produzi-la. Os peritos identificaram mais de 100 empresas qualificadas em África, Ásia e América Latina que têm capacidade para produzir vacinas que utilizam a tecnologia mRNA contra a COVID-19.

A proposta de renúncia temporária aos direitos de propriedade intelectual que abrange todas as vacinas e tecnologias referentes à COVID-19 na OMC continua a ser uma pré-condição necessária para vencer a pandemia. A renúncia elimina barreiras legais complexas à expansão da produção de vacinas, devolvendo aos governos a autoridade de escolher quando e como aplicar as proteções de patentes. A renúncia poderia acabar com os monopólios globais das empresas farmacêuticas, embora ainda permita que sejam compensadas.

O presidente dos EUA, Joe Biden, estava certo ao dizer que o surgimento da variante Omicron “reitera a importância” de aprovar a renúncia. Os EUA podem usar a sua influência diplomática e económica para pressionar outras potências ricas a pôr um fim à sua oposição e a adotar uma resolução que beneficiará o mundo inteiro.

Não podemos perder mais um ano. Só a solidariedade pode acabar com esta pandemia e salvar milhões de vidas.

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