mondal1_Sergei-Savostyanov_TASS_-Getty-Images_microscope Sergei Savostyanov/TASS/Getty Images

Apoiar os inovadores da saúde no mundo em desenvolvimento

DACA – Em 2012, a Declaração de Londres sobre as Doenças Tropicais Negligenciadas assinalou uma visão nova e ousada para a cooperação internacional, onde a criação de redes e a globalização sustentariam os esforços do Sul global para erradicar doenças mortais que afectam de forma desproporcional as comunidades mais pobres. A Declaração de Londres, a maior colaboração global de saúde pública até à data, ajudou a promover a confiança na ordem global baseada em regras que emergiu após a II Guerra Mundial.

Mas esta confiança arduamente conquistada está agora gravemente ameaçada, à medida que forças populistas em todo o Ocidente atacam os compromissos de ajuda externa dos seus países. Em particular, o Presidente Donald Trump anunciou reduções consideráveis ao orçamento de ajuda internacional dos Estados Unidos, de modo a apaziguar os eleitores economicamente frustrados dos EUA, que querem o seu dinheiro dos impostos a ser gasto em casa. O que esta abordagem não reconhece é que as recompensas, no longo prazo, associadas ao apoio da investigação médica no Sul global ultrapassam de longe os custos no longo prazo.

Sendo investigador Bengali no Centro Internacional para Investigação sobre Doenças Diarreicas do Bangladesh (icddr,b), tenho estado intimamente envolvido nos esforços locais de erradicação da leishmaniose visceral (LV, também conhecida por calazar), uma das doenças cobertas pela Declaração de Londres. Graças à generosa ajuda de doadores internacionais, tenho sido capaz de desenvolver pesquisas pioneiras neste campo.

Em 2006, através de uma investigação financiada pelo Programa Especial para Investigação e Formação em Doenças Tropicais (TDR) da Organização Mundial de Saúde, praticamente não encontrei iniciativas de controlo da mosca da areia nos distritos em que a LV (transmitida por uma única espécie de mosca da areia) era endémica. Essa descoberta serviu de alerta para os responsáveis políticos, e levou ao início dos esforços para controlo da mosca da areia por todo o país.

Anos mais tarde, integrado numa investigação financiada pela Fundação Optimus, da UBS, sobre métodos de controlo de insectos ao nível doméstico, a minha equipa descobriu que uma tecnologia inovadora (revestimentos duráveis de parede embebidos com o insecticida deltametrina) era eficaz no extermínio de moscas da areia até um ano após a aplicação. Estamos actualmente a testar outras soluções duráveis para controlo de insectos, nomeadamente tintas para paredes misturadas com três insecticidas diferentes.

Este trabalho tem implicações que ultrapassam a LV e o próprio Bangladesh. A pulverização de interiores continua a ser o método mais amplamente usado para controlo de insectos domésticos em todo o mundo. Mas nas comunidades rurais isoladas, as soluções que estamos a investigar podem ser mais robustas, convenientes e eficazes, não apenas contra as moscas da areia, mas também contra outros tipos de insectos patogénicos, como os mosquitos infectados com o Zika.

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Também tenho estado envolvido na investigação de novos tipos de transmissão da LV. Depois de recuperarem da LV, muitos pacientes no Bangladesh desenvolvem uma patologia conhecida por leishmaniose dérmica macular pós-calazar (LDPC). Por forma a descobrir se os pacientes de LDPC podem servir de reservatório para a LV (e, desse modo, melhorar a nossa competência na erradicação da doença), construí um insectário com a minha equipa para criar moscas da areia estéreis.

O nosso insectário, financiado pela Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas e a Fundação Espanhola para a Cooperação Internacional, é um entre apenas sete no mundo (estando a maior parte localizada em países desenvolvidos). Representa um recurso permanente e valioso para a investigação do controlo de vectores e da transmissão de doenças no Bangladesh.

O insectário já viabilizou avanços importantes. Experiências-piloto recentes demonstraram que a LDPC macular pode funcionar como uma fonte de infecção, tendo os seus resultados sido publicados na revista de Doenças Infecciosas. Também estamos a usar o insectário para testar a resistência e a susceptibilidade a insecticidas de moscas da areia em cativeiro, uma investigação que apoiará a optimização das estratégias de controlo da mosca da areia em todo o subcontinente Indiano.

Claro que um elemento-chave de qualquer estratégia para erradicar doenças é o diagnóstico precoce e eficaz. No caso da LV, os diagnósticos normais dependem da detecção de anticorpos circulantes no sangue ou na urina. Mas, como os anticorpos persistem no sangue mesmo depois da recuperação, este método identifica erradamente pacientes saudáveis e não-contagiosos como necessitando de tratamento. Embora um teste de diagnóstico baseado em ADN proporcione resultados mais precisos, os métodos actualmente usados dependem de equipamento dispendioso, como termocicladores e cadeias de frio funcionais.

Por isso, a minha equipa começou a trabalhar no sentido de desenvolver um diagnóstico baseado em ADN em locais de poucos recursos. Usando um método isotérmico de amplificação de ADN, a amplificação polimerase-recombinase, desenvolvemos um método independente de cadeias de frio para a detecção da LV, que depois incorporámos numa “mala-laboratório” móvel, alimentada por energia solar e que pode ser facilmente usada em ambientes rurais.

Estamos agora a tentar readaptar essa mala, para que possa também permitir o diagnóstico da febre tifóide e da tuberculose, revolucionando ainda mais a vigilância de doenças nas comunidades pobres e rurais. Por outras palavras, o desenvolvimento de métodos independentes de cadeias de frio para a detecção de doenças, tal como o resto das nossas investigações e inovações, tem implicações de longo alcance para a saúde global.

Contudo, todo o êxito que alcançámos durante as duas últimas décadas está agora em risco. As agências doadoras, confrontadas com a redução de apoios de intervenientes importantes como os EUA, poderão ser forçadas a suspender o financiamento para o tipo de investigação que descrevi. Como o Bangladesh não será capaz de compensar essa suspensão, desmoronar-se-ão projectos que salvam vidas, como o nosso; os recursos de longo prazo que desenvolvemos, do insectário a novos dispositivos para diagnóstico, terão de ser abandonados; e as comunidades mais pobres no mundo em desenvolvimento irão sofrer.

O que está em jogo não é apenas a generosidade. Os doadores de ajuda retiram benefícios importantes do financiamento da investigação científica no Sul global, começando pelo reforço da confiança que sustenta a frágil ordem internacional da qual todos dependemos. De forma mais directa, apoiar o desenvolvimento de inovações médicas de baixo custo pode desempenhar um papel vital na redução das actualmente colossais despesas de saúde de países avançados como os EUA. Essa poupança poderá, no longo prazo, compensar facilmente o custo de financiar o trabalho vital de organizações como o icddr,b.

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