NOVA IORQUE – Há um ano, o Hamas matou perto de 1200 pessoas – na sua grande maioria, civis – em Israel e fez mais de 250 reféns. Desde então, Israel reduziu grande parte de Gaza a escombros; alegadamente, foram mortos mais de 40 000 dos seus habitantes, um número que inclui entre 10 000 a 20 000 militantes do Hamas. Mais de 700 soldados israelitas perderam as suas vidas a combater o Hamas e outras organizações semelhantes com apoio iraniano.
O conflito está obviamente longe do seu fim. É raro que passe um dia sem novos ataques militares e novas vítimas. Dito isto, a fase mais intensa do conflito em Gaza parece estar a abrandar: com o Hamas militarmente enfraquecido, os líderes israelitas reorientaram a sua atenção para norte, atacando os líderes e os recursos do Hezbollah no Líbano. Por conseguinte, não será prematuro tentar resumir e avaliar as lições e o legado do 7 de Outubro.
Para começar, as ideias pré-concebidas podem ser perigosas. O ataque surpreendeu Israel pela segunda vez na sua história (sendo a primeira o deflagrar da Guerra de Outubro de 1973). Apesar de terem existido avisos sobre os planos do Hamas, as autoridades militares e políticas não os levaram a sério. Continuaram a posicionar a maior parte dos batalhões das Forças Armadas Israelitas na Cisjordânia, deixando a fronteira com Gaza quase desprotegida. E, tal como aconteceu 50 anos antes, comprovou-se que a complacência acarreta custos elevados.
O ataque de 7 de Outubro também demonstrou que o inimigo do nosso inimigo não é necessariamente nosso amigo. Durante uma década, o governo israelita sob a direcção do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu prestou apoio económico substancial ao Hamas, com a esperança explícita de que daria ao Hamas um melhor posicionamento para concorrer com a Autoridade Palestiniana (AP). O objectivo de Netanyahu consistia em dividir os palestinianos, enfraquecer a influência da voz do nacionalismo palestiniano com maior aceitação internacional e, dessa forma, impossibilitar uma solução de dois estados.
Israel teve um êxito retumbante no enfraquecimento da AP. Onde falhou, foi em pensar que poderia comprar o Hamas.
As guerras são empreendimentos de uma natureza tão política quanto militar. É possível ganhar uma guerra no campo de batalha, e mesmo assim perdê-la. Foi precisamente isso que aconteceu a Israel em Gaza, ao optar por travar uma guerra convencional contra um inimigo pouco convencional e sem um plano para o futuro. O êxito militar tem de ser traduzido em compromissos duradouros de segurança e governação. Mas os responsáveis israelitas recusaram apresentar propostas para ambos, por temerem que um plano viável necessitasse de uma participação da AP, juntamente com uma força de estabilização árabe, o que poderia criar uma dinâmica para a criação de um estado palestiniano e catalisar conflitos internos em Israel que pudessem derrubar o governo de Netanyahu.
At a time of escalating global turmoil, there is an urgent need for incisive, informed analysis of the issues and questions driving the news – just what PS has always provided.
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Para piorar as coisas, Israel está a definir o êxito – a erradicação do Hamas – com condições impossíveis de cumprir. Desta forma, Israel perde se não ganhar, enquanto o Hamas ganha se não perder. O Hamas, que é tanto uma ideia e uma rede como uma organização, sobreviverá inevitavelmente de alguma forma e conservará a capacidade de se reconstruir, especialmente no contexto emergente de uma ocupação israelita sem fim à vista e sem a concorrência de palestinianos mais moderados.
O que tem acontecido desde o 7 de Outubro também proporciona algumas lições para potenciais mediadores. Não se pode depender somente da persuasão para alterar o comportamento dos outros, sejam eles amigos ou inimigos. A diplomacia tem de ser acompanhada por incentivos e sanções, e por vezes as sugestões de recompensa e punição devem ser abandonadas.
Além disso, a diplomacia não poderá ter êxito se o mediador estiver mais interessado no êxito do que os protagonistas, que têm de concluir por si próprios se o compromisso e o acordo serão preferíveis à continuação do conflito. Quando os protagonistas chegam a uma conclusão contrária, qualquer mediação, independentemente das suas boas intenções, estará condenada ao fracasso.
O legado – ou, mais precisamente, os legados – do 7 de Outubro não dão muito espaço para o optimismo. Uma solução de dois estados está mais distante que nunca. Uma abordagem dessa natureza já era improvável antes do 7 de Outubro, mas o último ano reforçou as dúvidas dos israelitas quanto à conveniência e à possibilidade de viverem em segurança ao lado de um estado palestiniano independente. Simultaneamente, a resposta de Israel ao 7 de Outubro reforçou as opiniões anti-Israel entre os palestinianos em Gaza, na Cisjordânia e no próprio Israel, e reforçou a atractividade do Hamas que, tal como os seus financiadores iranianos, não está interessado na coexistência pacífica com Israel.
O resultado final é que o futuro deverá parecer-se com uma “não-solução de um estado”: o controlo israelita do território entre o Mediterrâneo e o rio Jordão, uma população de colonatos em expansão, e embates frequentes entre as forças de segurança israelitas e o Hamas em Gaza e milícias semelhantes ao Hamas na Cisjordânia.
Israel registou perdas avultadas, não só em vidas e produção económica, mas também na sua reputação e imagem, nos Estados Unidos e no mundo. As gerações mais jovens vêem Israel mais como Golias do que como David, mais como opressor do que como oprimido. O anti-semitismo disparou. E com as perspectivas de uma solução de dois estados praticamente esgotadas, Israel poderá muito bem enfrentar uma alternativa binária entre um estado Judaico e um estado democrático. O enfraquecimento do Hezbollah e dos Houtis, apesar de bem-vindo, não altera estas realidades.
Israel também pagou um preço na região. O Irão alcançou aquele que pode ter sido um dos seus objectivos originais para o ataque: tornar mais difícil que a Arábia Saudita, uma potência importante nos mundos Árabe e Islâmico, estabelecesse relações diplomáticas formais com Israel. Apesar de a condenação das acções de Israel depois do 7 de Outubro não impedir a colaboração militar e a troca de informações com governos árabes que enfrentem a ameaça mútua iraniana, o governante do reino retrocedeu na sua abertura para normalizar relações, na ausência de um estado palestiniano independente.
Os EUA também pagaram um preço elevado desde o 7 de Outubro. Perderam credibilidade no mundo Árabe devido à sua incapacidade de influenciar a política israelita, e incomodaram alguns israelitas com as suas críticas e jogadas independentes. Além disso, os EUA encontram-se hoje profundamente envolvidos no Médio Oriente, quando as suas prioridades estratégicas são impedir a agressão chinesa na região Ásia-Pacífico e contrariar a agressão russa na Europa. Tudo isto satisfaz indubitavelmente o eixo anti-Ocidental que inclui a China, a Rússia, a Coreia do Norte e o Irão.
Nada disto era inevitável. Governos israelitas sucessivos optaram por enfraquecer a AP e subestimaram a ameaça representada pelo Hamas, que tirou proveito do seu ataque brutal. A resposta seguinte de Israel foi militar, mas não política. E os EUA desperdiçaram grande parte do seu capital diplomático, apelando em vão a um cessar-fogo que nenhum dos protagonistas pretendia. O preço humano, económico e diplomático tem sido enorme, e a região, que já era a mais problemática em todo o mundo, ficou ainda pior.
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Unlike during his first term, US President Donald Trump no longer seems to care if his policies wreak havoc in financial markets. This time around, Trump seems to be obsessed with his radical approach to institutional deconstruction, which includes targeting the Federal Reserve, the International Monetary Fund, and the World Bank.
explains why the US president’s second administration, unlike his first, is targeting all three.
According to the incoming chair of US President Donald Trump’s
Council of Economic Advisers, America runs large trade deficits and
struggles to compete in manufacturing because foreign demand for US
financial assets has made the dollar too strong. It is not a persuasive
argument.
is unpersuaded by the argument made by presidential advisers for unilaterally restructuring global trade.
By launching new trade wars and ordering the creation of a Bitcoin reserve, Donald Trump is assuming that US trade partners will pay any price to maintain access to the American market. But if he is wrong about that, the dominance of the US dollar, and all the advantages it confers, could be lost indefinitely.
doubts the US administration can preserve the greenback’s status while pursuing its trade and crypto policies.
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NOVA IORQUE – Há um ano, o Hamas matou perto de 1200 pessoas – na sua grande maioria, civis – em Israel e fez mais de 250 reféns. Desde então, Israel reduziu grande parte de Gaza a escombros; alegadamente, foram mortos mais de 40 000 dos seus habitantes, um número que inclui entre 10 000 a 20 000 militantes do Hamas. Mais de 700 soldados israelitas perderam as suas vidas a combater o Hamas e outras organizações semelhantes com apoio iraniano.
O conflito está obviamente longe do seu fim. É raro que passe um dia sem novos ataques militares e novas vítimas. Dito isto, a fase mais intensa do conflito em Gaza parece estar a abrandar: com o Hamas militarmente enfraquecido, os líderes israelitas reorientaram a sua atenção para norte, atacando os líderes e os recursos do Hezbollah no Líbano. Por conseguinte, não será prematuro tentar resumir e avaliar as lições e o legado do 7 de Outubro.
Para começar, as ideias pré-concebidas podem ser perigosas. O ataque surpreendeu Israel pela segunda vez na sua história (sendo a primeira o deflagrar da Guerra de Outubro de 1973). Apesar de terem existido avisos sobre os planos do Hamas, as autoridades militares e políticas não os levaram a sério. Continuaram a posicionar a maior parte dos batalhões das Forças Armadas Israelitas na Cisjordânia, deixando a fronteira com Gaza quase desprotegida. E, tal como aconteceu 50 anos antes, comprovou-se que a complacência acarreta custos elevados.
O ataque de 7 de Outubro também demonstrou que o inimigo do nosso inimigo não é necessariamente nosso amigo. Durante uma década, o governo israelita sob a direcção do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu prestou apoio económico substancial ao Hamas, com a esperança explícita de que daria ao Hamas um melhor posicionamento para concorrer com a Autoridade Palestiniana (AP). O objectivo de Netanyahu consistia em dividir os palestinianos, enfraquecer a influência da voz do nacionalismo palestiniano com maior aceitação internacional e, dessa forma, impossibilitar uma solução de dois estados.
Israel teve um êxito retumbante no enfraquecimento da AP. Onde falhou, foi em pensar que poderia comprar o Hamas.
As guerras são empreendimentos de uma natureza tão política quanto militar. É possível ganhar uma guerra no campo de batalha, e mesmo assim perdê-la. Foi precisamente isso que aconteceu a Israel em Gaza, ao optar por travar uma guerra convencional contra um inimigo pouco convencional e sem um plano para o futuro. O êxito militar tem de ser traduzido em compromissos duradouros de segurança e governação. Mas os responsáveis israelitas recusaram apresentar propostas para ambos, por temerem que um plano viável necessitasse de uma participação da AP, juntamente com uma força de estabilização árabe, o que poderia criar uma dinâmica para a criação de um estado palestiniano e catalisar conflitos internos em Israel que pudessem derrubar o governo de Netanyahu.
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O que tem acontecido desde o 7 de Outubro também proporciona algumas lições para potenciais mediadores. Não se pode depender somente da persuasão para alterar o comportamento dos outros, sejam eles amigos ou inimigos. A diplomacia tem de ser acompanhada por incentivos e sanções, e por vezes as sugestões de recompensa e punição devem ser abandonadas.
Além disso, a diplomacia não poderá ter êxito se o mediador estiver mais interessado no êxito do que os protagonistas, que têm de concluir por si próprios se o compromisso e o acordo serão preferíveis à continuação do conflito. Quando os protagonistas chegam a uma conclusão contrária, qualquer mediação, independentemente das suas boas intenções, estará condenada ao fracasso.
O legado – ou, mais precisamente, os legados – do 7 de Outubro não dão muito espaço para o optimismo. Uma solução de dois estados está mais distante que nunca. Uma abordagem dessa natureza já era improvável antes do 7 de Outubro, mas o último ano reforçou as dúvidas dos israelitas quanto à conveniência e à possibilidade de viverem em segurança ao lado de um estado palestiniano independente. Simultaneamente, a resposta de Israel ao 7 de Outubro reforçou as opiniões anti-Israel entre os palestinianos em Gaza, na Cisjordânia e no próprio Israel, e reforçou a atractividade do Hamas que, tal como os seus financiadores iranianos, não está interessado na coexistência pacífica com Israel.
O resultado final é que o futuro deverá parecer-se com uma “não-solução de um estado”: o controlo israelita do território entre o Mediterrâneo e o rio Jordão, uma população de colonatos em expansão, e embates frequentes entre as forças de segurança israelitas e o Hamas em Gaza e milícias semelhantes ao Hamas na Cisjordânia.
Israel registou perdas avultadas, não só em vidas e produção económica, mas também na sua reputação e imagem, nos Estados Unidos e no mundo. As gerações mais jovens vêem Israel mais como Golias do que como David, mais como opressor do que como oprimido. O anti-semitismo disparou. E com as perspectivas de uma solução de dois estados praticamente esgotadas, Israel poderá muito bem enfrentar uma alternativa binária entre um estado Judaico e um estado democrático. O enfraquecimento do Hezbollah e dos Houtis, apesar de bem-vindo, não altera estas realidades.
Israel também pagou um preço na região. O Irão alcançou aquele que pode ter sido um dos seus objectivos originais para o ataque: tornar mais difícil que a Arábia Saudita, uma potência importante nos mundos Árabe e Islâmico, estabelecesse relações diplomáticas formais com Israel. Apesar de a condenação das acções de Israel depois do 7 de Outubro não impedir a colaboração militar e a troca de informações com governos árabes que enfrentem a ameaça mútua iraniana, o governante do reino retrocedeu na sua abertura para normalizar relações, na ausência de um estado palestiniano independente.
Os EUA também pagaram um preço elevado desde o 7 de Outubro. Perderam credibilidade no mundo Árabe devido à sua incapacidade de influenciar a política israelita, e incomodaram alguns israelitas com as suas críticas e jogadas independentes. Além disso, os EUA encontram-se hoje profundamente envolvidos no Médio Oriente, quando as suas prioridades estratégicas são impedir a agressão chinesa na região Ásia-Pacífico e contrariar a agressão russa na Europa. Tudo isto satisfaz indubitavelmente o eixo anti-Ocidental que inclui a China, a Rússia, a Coreia do Norte e o Irão.
Nada disto era inevitável. Governos israelitas sucessivos optaram por enfraquecer a AP e subestimaram a ameaça representada pelo Hamas, que tirou proveito do seu ataque brutal. A resposta seguinte de Israel foi militar, mas não política. E os EUA desperdiçaram grande parte do seu capital diplomático, apelando em vão a um cessar-fogo que nenhum dos protagonistas pretendia. O preço humano, económico e diplomático tem sido enorme, e a região, que já era a mais problemática em todo o mundo, ficou ainda pior.