CitiesSanFrancisco_David Yu_Flickr David Yu/Flickr

Uma luz para as cidades

NOVA IORQUE – No mês passado, realizou-se um encontro notável em Medellín, na Colômbia. Cerca de 22 000 pessoas reuniram-se para participar no Fórum Urbano Mundial e discutir o futuro das cidades. A tónica centrou-se na criação de "cidades para a vida" - ou seja, na promoção de um desenvolvimento equitativo nos ambientes urbanos onde a maioria dos cidadãos do mundo já vive, e onde dois terços residirão até 2050.

A localização em si foi simbólica: Outrora conhecida pelos cartéis de droga, Medellín desfruta actualmente da reputação bem merecida de ser uma das cidades mais inovadoras do mundo. A sua história de transformação comporta lições importantes para as áreas urbanas de todo o mundo.

Na década de 1980 e 1990, quem controlava as ruas e a política de Medellín eram os chefes dos cartéis, como o infame Pablo Escobar. A fonte do poder de Escobar não era apenas o comércio internacional de cocaína grandemente lucrativo (alimentado pela procura nos Estados Unidos), mas também a desigualdade extrema que se fazia sentir em Medellín e na Colômbia. Nas encostas íngremes do vale Andes, que alberga a cidade, os enormes bairros de lata, praticamente abandonados pelo governo, constituíam uma fonte garantida de recrutamento para os cartéis. Na ausência de serviços públicos, Escobar conquistou o coração e o espírito da população mais pobre de Medellín através da sua generosidade – ao mesmo tempo que aterrorizava a cidade.

Actualmente é difícil reconhecer aqueles bairros de lata. No bairro pobre de Santo Domingo, o novo Sistema Metrocable, composto por três linhas de teleféricos, serve residentes que vivem centenas de metros acima na encosta da montanha, pondo termo ao seu isolamento em relação ao centro da cidade. Actualmente o tempo de deslocação é de apenas alguns minutos e as barreiras sociais e económicas existentes entre as zonas de habitação informal e do resto da cidade estão prestes a ser eliminadas.

Os problemas dos bairros pobres da cidade não foram eliminados, mas os benefícios resultantes das melhorias das infra-estruturas estão bem patentes nas casas bem conservadas, nos murais e campos de futebol localizados perto das estações dos teleféricos. Os teleféricos são o projecto mais icónico entre os que contribuíram para que Medellín ganhasse o Prémio Verde Veronica Rudge para Design Urbano, o mais prestigiado nesta área.

Desde a presidência de Sergio Fajardo (actualmente governador do departamento de Antioquia de Medellín), que tomou posse em 2004, a cidade tem desenvolvido esforços significativos por forma a transformar os seus bairros de lata, melhorar a educação e promover o desenvolvimento. (O actual Presidente da Câmara, Aníbal Gaviria, manifestou o seu empenho em continuar por este caminho).

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Em Medellín foram construídos edifícios públicos de vanguarda nas áreas mais degradadas, as casas dos cidadãos que residem nos distritos pobres foram pintadas e as ruas foram limpas e melhoradas – tudo isto partindo do princípio que, ao serem tratadas com dignidade, as pessoas valorizam o seu ambiente e orgulham-se das suas comunidades. Esta convicção está mais do que confirmada.

Em todo o mundo, as cidades são ao mesmo tempo o espaço e o foco dos principais debates da sociedade, e por boas razões. Quando as pessoas vivem em espaços limitados, não têm possibilidade de escapar aos grandes problemas sociais: desigualdade crescente, degradação ambiental e investimento público insuficiente.

O fórum lembrou aos participantes que as cidades habitáveis exigem planeamento - uma mensagem que contraria as atitudes predominantes em grande parte do mundo. No entanto, se não houver planeamento e investimento público em infra-estruturas, transportes públicos e parques e abastecimento de água potável e saneamento, as cidades não serão habitáveis. E, inevitavelmente, são os pobres quem mais sofre com a ausência destes serviços públicos.

Medellín também comporta algumas lições para os EUA. De facto, investigações recentes indicam de que modo o planeamento inadequado tem alimentado a segregação económica nos Estados Unidos e como se formaram espirais de pobreza nas cidades sem transportes públicos, devido à falta de empregos acessíveis.

A conferência foi além deste ponto, sublinhando que não basta haver "cidades habitáveis". É necessário criar áreas urbanas onde os indivíduos possam prosperar e inovar. Não é por acaso que o Iluminismo - que resultou, por sua vez, no maior e mais rápido aumento dos níveis de vida da história da humanidade - se desenvolveu nas cidades. As novas formas de pensamento são consequência natural de uma elevada densidade populacional, desde que estejam reunidas as condições adequadas - estas abrangem espaços públicos onde as pessoas possam interagir e onde a cultura possa prosperar e um espírito democrático que acolhe e incentiva a participação pública.

Um dos temas centrais do fórum foi a formação de um consenso sobre a necessidade de desenvolvimento ambiental, social e sustentável a nível económico. Todos estes aspectos relativos à sustentabilidade estão interligados e são complementares, e as cidades oferecem o contexto em que este facto se torna mais evidente.

A desigualdade é dos maiores obstáculos à concretização da sustentabilidade. As nossas economias, as nossas democracias e as nossas sociedades pagam um preço elevado pelo fosso cada vez maior que separa os ricos dos pobres. Talvez o aspecto mais desagradável da crescente disparidade de rendimentos e riqueza em tantos países seja o facto de estar a contribuir para aprofundar a desigualdade de oportunidades.

Algumas cidades demonstraram que estes modelos amplamente observados não resultam de leis económicas imutáveis. Até no país avançado que regista maior desigualdade - os EUA - algumas cidades, como São Francisco e São José, são comparáveis às economias com melhor desempenho em termos de igualdade de oportunidades.

Em virtude dos impasses políticos que afligem tantos governos nacionais em todo o mundo, as cidades com visão de futuro estão a tornar-se arautos de esperança. A América do Norte, dividida, parece incapaz de resolver o problema alarmante que enfrenta de aumento da desigualdade. Contudo, na cidade de Nova Iorque, Bill de Blasio foi eleito presidente da câmara com base na promessa de fazer algo para resolver esta questão.

Embora haja limites para o que pode ser feito a nível local - a tributação nacional, por exemplo, é muito mais importante do que as taxas municipais - as cidades podem ajudar a garantir a disponibilidade de habitações a preço acessíveis. Além disso, têm a especial responsabilidade de assegurar um ensino público de elevada qualidade e instalações públicas para todos, independentemente do nível de rendimentos.

Medellín e o Fórum Urbano Mundial demonstraram que não estamos perante uma utopia. É possível um mundo diferente; para o concretizar basta apenas a vontade política.

Tradução: Teresa Bettencourt

https://prosyn.org/zmnsf5vpt