NOVA IORQUE – O crescendo de quezílias e acrimónia na Europa pode parecer a quem está de fora o resultado inevitável do amargo final de jogo que decorre entre a Grécia e os seus credores. Com efeito, os líderes Europeus estão a começar finalmente a revelar a verdadeira natureza da disputa existente sobre a dívida, e a resposta não é agradável: tem muito mais a ver com poder e democracia do que com dinheiro e economia.
Evidentemente, a natureza económica subjacente ao programa que a “troika” (a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, e o Fundo Monetário Internacional) impôs à Grécia há cinco anos atrás foi terrível, tendo provocado um decréscimo de 25% no PIB do país. Não consigo pensar numa depressão, em altura alguma, que tenha sido tão deliberada e tenha tido consequências tão catastróficas. A taxa de desemprego juvenil na Grécia, por exemplo, é hoje superior a 60%.
É surpreendente que a troika tenha recusado aceitar responsabilidades por qualquer uma destas situações, ou admitir a grande medida em que falharam as suas previsões e modelos. Mas o que ainda é mais surpreendente é que os líderes da Europa nem sequer aprenderam. A troika ainda exige que a Grécia atinja um excedente orçamental primário (excluindo os pagamentos de juros) de 3,5% do PIB até 2018.
Economistas em todo o mundo já condenaram essa meta como punitiva, porque tentar atingi-la levará inevitavelmente a uma recessão ainda maior. Na verdade, mesmo que a dívida Grega seja reestruturada para além de tudo o que é imaginável, o país permanecerá em depressão se os eleitores se comprometerem com a meta da troika, no referendo-relâmpago que decorrerá este fim de semana.
Quanto a transformar um grande défice primário num excedente, poucos países conseguiram algo semelhante ao que os Gregos alcançaram nos últimos cinco anos. E, embora o custo em termos de sofrimento humano tenha sido extremamente elevado, as recentes propostas do governo Grego foram bastante alteradas no sentido de cumprir as exigências dos seus credores.
Devemos ser claros: quase nada da enorme quantidade de dinheiro emprestado à Grécia acabou por lá chegar. Desapareceu para pagar aos credores do sector privado, incluindo bancos Alemães e Franceses. A Grécia só conseguiu uma ninharia, mas pagou um elevado preço para preservar os sistemas bancários destes países. O FMI e outros credores “oficiais” não necessitam do dinheiro que está a ser pedido. Numa situação, o dinheiro recebido seria muito provavelmente apenas emprestado de novo à Grécia.
Mas, mais uma vez, não se trata de dinheiro. Trata-se de usar “prazos” para forçar a Grécia a obedecer, e a aceitar o inaceitável: não apenas medidas de austeridade, mas outras políticas regressivas e punitivas.
Mas porque quereria a Europa fazer isso? Porque estão os líderes da União Europeia a resistir ao referendo e a recusar adiar, mesmo por poucos dias, o prazo de 30 de junho para o próximo pagamento da Grécia ao FMI? Não é verdade que a Europa tem tudo a ver com democracia?
Em janeiro, os cidadãos da Grécia votaram por um governo comprometido com o fim da austeridade. Se o governo estivesse simplesmente a cumprir as suas promessas eleitorais, já teria rejeitado a proposta. Mas quis dar aos Gregos uma hipótese de participar nesta questão, tão crítica para o bem-estar futuro do seu país.
Essa preocupação pela legitimidade popular é incompatível com a política da zona euro, que nunca foi um projecto muito democrático. Muitos dos governos dos seus membros não procuraram a aprovação dos seus povos para entregar a sua soberania monetária ao BCE. Quando a Suécia o fez, os Suecos disseram não. Compreenderam que o desemprego subiria se a política monetária do país fosse determinada por um banco central obstinadamente focado na inflação (e também que haveria uma atenção insuficiente à estabilidade financeira). A economia sofreria, porque o modelo económico subjacente à zona euro baseava-se em relações de poder que desfavoreciam os trabalhadores.
E não há dúvidas que o que agora vemos, 16 anos depois da zona euro ter institucionalizado essas relações, é a antítese da democracia: muitos líderes Europeus querem ver o fim do governo esquerdista do Primeiro-ministro Alexis Tsipras. Afinal, é extremamente inconveniente ter na Grécia um governo tão contrário aos tipos de políticas que tanto fizeram para aumentar a desigualdade em tantos países avançados, e que está tão empenhado em refrear o desenfreado poder da riqueza. Parecem acreditar que poderão acabar por derrubar o governo Grego, se o instigarem a aceitar um acordo que contrarie o seu mandato.
É difícil aconselhar um sentido de voto aos Gregos a 5 de julho. Nenhuma alternativa – aprovação ou rejeição dos termos da troika – será fácil, e ambas comportam riscos elevados. Um voto pelo sim significaria depressão quase sem fim. Talvez um país esgotado – um que vendesse todos os seus bens, e cujos jovens brilhantes emigrassem – pudesse finalmente conseguir um perdão de dívida; talvez, tendo encolhido para uma economia de rendimento médio, a Grécia pudesse finalmente ser elegível para a assistência do Banco Mundial. Tudo isto poderia acontecer na próxima década, ou talvez na década seguinte.
Em contrapartida, um voto pelo não daria pelo menos à Grécia a possibilidade, com a sua forte tradição democrática, de agarrar o seu destino com as suas próprias mãos. Os Gregos poderão ganhar a oportunidade de moldar um futuro que, embora não sendo talvez tão próspero quanto o passado, é muito mais esperançoso do que a incompreensível tortura do presente.
Eu sei como votaria.
NOVA IORQUE – O crescendo de quezílias e acrimónia na Europa pode parecer a quem está de fora o resultado inevitável do amargo final de jogo que decorre entre a Grécia e os seus credores. Com efeito, os líderes Europeus estão a começar finalmente a revelar a verdadeira natureza da disputa existente sobre a dívida, e a resposta não é agradável: tem muito mais a ver com poder e democracia do que com dinheiro e economia.
Evidentemente, a natureza económica subjacente ao programa que a “troika” (a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, e o Fundo Monetário Internacional) impôs à Grécia há cinco anos atrás foi terrível, tendo provocado um decréscimo de 25% no PIB do país. Não consigo pensar numa depressão, em altura alguma, que tenha sido tão deliberada e tenha tido consequências tão catastróficas. A taxa de desemprego juvenil na Grécia, por exemplo, é hoje superior a 60%.
É surpreendente que a troika tenha recusado aceitar responsabilidades por qualquer uma destas situações, ou admitir a grande medida em que falharam as suas previsões e modelos. Mas o que ainda é mais surpreendente é que os líderes da Europa nem sequer aprenderam. A troika ainda exige que a Grécia atinja um excedente orçamental primário (excluindo os pagamentos de juros) de 3,5% do PIB até 2018.
Economistas em todo o mundo já condenaram essa meta como punitiva, porque tentar atingi-la levará inevitavelmente a uma recessão ainda maior. Na verdade, mesmo que a dívida Grega seja reestruturada para além de tudo o que é imaginável, o país permanecerá em depressão se os eleitores se comprometerem com a meta da troika, no referendo-relâmpago que decorrerá este fim de semana.
Quanto a transformar um grande défice primário num excedente, poucos países conseguiram algo semelhante ao que os Gregos alcançaram nos últimos cinco anos. E, embora o custo em termos de sofrimento humano tenha sido extremamente elevado, as recentes propostas do governo Grego foram bastante alteradas no sentido de cumprir as exigências dos seus credores.
Devemos ser claros: quase nada da enorme quantidade de dinheiro emprestado à Grécia acabou por lá chegar. Desapareceu para pagar aos credores do sector privado, incluindo bancos Alemães e Franceses. A Grécia só conseguiu uma ninharia, mas pagou um elevado preço para preservar os sistemas bancários destes países. O FMI e outros credores “oficiais” não necessitam do dinheiro que está a ser pedido. Numa situação, o dinheiro recebido seria muito provavelmente apenas emprestado de novo à Grécia.
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Mas, mais uma vez, não se trata de dinheiro. Trata-se de usar “prazos” para forçar a Grécia a obedecer, e a aceitar o inaceitável: não apenas medidas de austeridade, mas outras políticas regressivas e punitivas.
Mas porque quereria a Europa fazer isso? Porque estão os líderes da União Europeia a resistir ao referendo e a recusar adiar, mesmo por poucos dias, o prazo de 30 de junho para o próximo pagamento da Grécia ao FMI? Não é verdade que a Europa tem tudo a ver com democracia?
Em janeiro, os cidadãos da Grécia votaram por um governo comprometido com o fim da austeridade. Se o governo estivesse simplesmente a cumprir as suas promessas eleitorais, já teria rejeitado a proposta. Mas quis dar aos Gregos uma hipótese de participar nesta questão, tão crítica para o bem-estar futuro do seu país.
Essa preocupação pela legitimidade popular é incompatível com a política da zona euro, que nunca foi um projecto muito democrático. Muitos dos governos dos seus membros não procuraram a aprovação dos seus povos para entregar a sua soberania monetária ao BCE. Quando a Suécia o fez, os Suecos disseram não. Compreenderam que o desemprego subiria se a política monetária do país fosse determinada por um banco central obstinadamente focado na inflação (e também que haveria uma atenção insuficiente à estabilidade financeira). A economia sofreria, porque o modelo económico subjacente à zona euro baseava-se em relações de poder que desfavoreciam os trabalhadores.
E não há dúvidas que o que agora vemos, 16 anos depois da zona euro ter institucionalizado essas relações, é a antítese da democracia: muitos líderes Europeus querem ver o fim do governo esquerdista do Primeiro-ministro Alexis Tsipras. Afinal, é extremamente inconveniente ter na Grécia um governo tão contrário aos tipos de políticas que tanto fizeram para aumentar a desigualdade em tantos países avançados, e que está tão empenhado em refrear o desenfreado poder da riqueza. Parecem acreditar que poderão acabar por derrubar o governo Grego, se o instigarem a aceitar um acordo que contrarie o seu mandato.
É difícil aconselhar um sentido de voto aos Gregos a 5 de julho. Nenhuma alternativa – aprovação ou rejeição dos termos da troika – será fácil, e ambas comportam riscos elevados. Um voto pelo sim significaria depressão quase sem fim. Talvez um país esgotado – um que vendesse todos os seus bens, e cujos jovens brilhantes emigrassem – pudesse finalmente conseguir um perdão de dívida; talvez, tendo encolhido para uma economia de rendimento médio, a Grécia pudesse finalmente ser elegível para a assistência do Banco Mundial. Tudo isto poderia acontecer na próxima década, ou talvez na década seguinte.
Em contrapartida, um voto pelo não daria pelo menos à Grécia a possibilidade, com a sua forte tradição democrática, de agarrar o seu destino com as suas próprias mãos. Os Gregos poderão ganhar a oportunidade de moldar um futuro que, embora não sendo talvez tão próspero quanto o passado, é muito mais esperançoso do que a incompreensível tortura do presente.
Eu sei como votaria.