merz1_Chris Emil Janßen - PoolGetty Images_biden eu Chris Emil Janßen - Pool/Getty Images

A segurança europeia não reside no passado

BERLIM – Uma viagem curta à Alemanha, em vez da planeada visita de Estado. Uma reunião a quatro na Chancelaria, em vez da conferência em Ramstein para coordenar a futura ajuda à Ucrânia com cerca de 50 Estados participantes, incluindo numerosos chefes de Estado e de Governo. Com o furacão Milton na Florida a impedir o presidente dos EUA Joe Biden de cumprir o seu itinerário planeado, todo o cenário político europeu foi desviado do seu rumo.

Não há outra forma de descrever os acontecimentos dos últimos 14 dias. Pior ainda, o que aconteceu– ou, mais exatamente, o que não aconteceu – na Alemanha exemplifica o estado desolador da política externa e de segurança europeia num momento crítico.

Porque é que a conferência de Ramstein teve de ser cancelada? Terá sido apenas porque o presidente americano não pôde estar presente? Será que os europeus não são suficientemente fortes para organizar uma conferência sem a participação do presidente americano ou, se necessário, com a presença do secretário de Estado ou do secretário de Defesa dos EUA?

O recém-concluído pacto de defesa entre a Alemanha e o Reino Unido sugere que onde há vontade, é possível agir. Mas a Europa precisa mais do que estes acordos bilaterais de contornos restritos, por muito positivos que possam ser.

A razão é extremamente evidente: a Ucrânia está desesperadamente à espera de mais ajuda. O terceiro inverno da guerra que o presidente russo Vladimir Putin iniciou em fevereiro de 2022 está mesmo ao virar da esquina e a situação do país piora a cada semana que passa. O refrão de rotina que se ouve, há dois anos e meio, na maioria das capitais europeias, principalmente do governo alemão, é que a Ucrânia irá receber “toda a ajuda de que necessita, pelo tempo que for necessário”. Mas esta afirmação é simplesmente falsa, por mais vezes que seja repetida.

A história da ajuda à Ucrânia é uma história de constantes vacilações e hesitações, de evasivas e táticas. Quando não há mais nada que possa ajudar, o presidente americano é chamado a quebrar o impasse político.

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Mas Biden passou grande parte deste ano, antes de se retirar da corrida presidencial, na campanha eleitoral. Neste momento, está a numa digressão de despedida. No próximo dia 5 de novembro, será eleito um novo presidente e se o nome escolhido for Donald Trump, não haverá escapatória para os europeus. A conferência de Ramstein, que foi cancelada, teria sido a oportunidade perfeita para a Europa assumir finalmente a liderança.

O chanceler alemão Olaf Scholz deveria ter mostrado o que o Zeitenwende (“início de uma era”), que Scholz declarou após a invasão da Rússia, significa para a Europa como um todo. Juntamente com França e Grã-Bretanha, deveria ter feito declarações inequívocas a Putin. Poderia ter dito: “Se não puserem termo à vossa guerra de terror contra a população civil da Ucrânia no prazo de 24 horas, os limites de alcance das armas fornecidas à Ucrânia serão anulados”.

Se isso não bastasse, poderia ter acrescentado que a Alemanha forneceria mísseis de cruzeiro Taurus à Ucrânia para ajudar a destruir as rotas de abastecimento do exército russo no país. França e Grã-Bretanha já estão a fornecer mísseis de cruzeiro com o alcance necessário para atingir as linhas de abastecimento do exército russo e, aparentemente, estão preparados para seguir essa via.

O medo e a esperança desesperada de se poder retratar como um “chanceler da paz” pouco antes das eleições federais do próximo ano tornaram-se os motivos dominantes de Scholz. Mas “o medo é a mãe de toda a crueldade”, como disse Michel de Montaigne, o filósofo francês do século XVI. O presidente francês Emmanuel Macron leu, certamente, Montaigne e entende esse aviso.

Em vez de agir de forma decisiva em Ramstein, Scholz tomou um agradável café com Biden, pouco antes de o presidente dos EUA ser condecorado com o mais alto nível da Ordem de Mérito da República Federal da Alemanha. Mas essa cerimónia de condecoração foi um momento que uniu Grã-Bretanha, França, Alemanha e EUA apenas na nostalgia, não na definição da ação decisiva e do sentido de propósito de que a Europa precisa atualmente.

Na verdade, a cerimónia lembrou, mais do que qualquer outra coisa, como o governo alemão se comportava nos anos que antecederam a queda do Muro de Berlim e a reunificação, antes de a divisão da Europa ter sido ultrapassada, antes da guerra na Ucrânia. A velha Europa da Guerra Fria procurava conforto no passado e confiança na liderança solitária dos EUA que definiu a época. Nessa altura, os europeus que teciam as suas próprias decisões raramente eram um elemento a considerar. Por exemplo, ninguém pensou sequer em convidar o primeiro-ministro polaco Donald Tusk para a reunião em Berlim?

O voo de Biden de regresso a Washington, após a cancelada conferência de Ramstein e a reduzida reunião na Chancelaria de Berlim, pode assumir um significado quase simbólico no futuro: o último presidente atlantista dos EUA, durante um longo período de tempo, a despedir-se da Europa. E os europeus, sem liderança e sem a mínima ideia do que os espera, acenam-lhe um adeus, recordando sonhadoramente os tempos passados.

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