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Os Libertadores Caídos de África

OXFORD – Na semana passada, no período de 24 horas, os líderes dos dois principais países africanos renunciaram aos seus cargos. Jacob Zuma da África do Sul cedeu finalmente à pressão exercida pelo seu próprio partido para renunciar à presidência. No dia seguinte, o Primeiro-Ministro etíope Hailemariam Desalegn, anunciou a decisão de demitir-se face aos protestos contínuos em massa e à agitação política.

Em ambos os casos, dois dos partidos de libertação mais antigos de África, que se mantiveram desde que chegaram ao poder pela primeira vez há um quarto de século, foram forçados a afastar os seus líderes devido a um descontentamento popular profundo. A trajectória histórica dos dois partidos é bastante semelhante. No entanto, os efeitos da saída dos seus líderes não poderiam ser mais distintos.

De facto, tanto o Congresso Nacional Africano (ANC) na África do Sul como a Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope (FDRPE) tornaram-se complacentes e corruptos e sofreram uma decadência política ao longo do último quarto de século. Porém, embora a África do Sul tenha instituído um conjunto robusto de salvaguardas institucionais na sequência da sua transição do Apartheid, a Etiópia, após a queda da ditadura de Mengistu Haile Mariam, nunca conseguiu estabelecer instituições nacionais suficientemente fortes para colocar o país a salvo do partido governante.

Apesar das diferenças evidentes entre os dois países em termos de história e das condições económicas, a conduta comercial dos seus partidos dominantes e o modelo económico que alegam ter adoptado, são muito semelhantes. Tanto o ANC como a FDRPE defendem o princípio leninista do centralismo democrático, segundo o qual os membros dos partidos são obrigados a cumprir as políticas estabelecidas pelos dirigentes do partido central. Ambos os partidos accionaram amplamente os quadros para garantir que a administração pública levava a efeito as decisões políticas. Mais recentemente, as elites dos partidos dos dois países passaram a adoptar políticas económicas heterodoxas.

O ANC foi acusado de perder o contacto com os seus eleitores mais desfavorecidos num dos países onde a desigualdade é mais elevada a nível mundial. Para agravar a situação, o massacre de 34 mineiros pela polícia em 2012 em Marikana reavivou as memórias do desprezo pelos negros por parte do regime do Apartheid. Não obstante, o ANC, habituado a vencer com percentagens de votos bem acima dos 65% (principalmente devido às suas credenciais de libertação), continuou a apoiar o bélico Zuma, que enfrenta acusações que contemplam práticas desde o suborno até à violação. A governação deteriorou-se com a estagnação da economia e a corrupção e o domínio do Estado avançaram com grande rapidez. O partido de Nelson Mandela arriscou sucumbir à deterioração interna e, com isso, derrubar o país.

Entretanto, na Etiópia, a FDRPE bombardeou o público sobre a forma como há décadas livrara o país de uma ditadura militar brutal, mesmo com milhões de jovens nascidos e criados sob as directivas do partido a depararem-se com uma taxa de desemprego devastadora. A FDRPE continua a afirmar que as deficiências da sua liderança não diminuem o seu direito de governar o país, enquanto que os desafios políticos dos grupos da oposição são retratados como desleais. Tal como o ANC, quanto mais tempo a FDRPE permanecesse no poder, menos se poderia imaginar a Etiópia sem a mesma ao leme.

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Quando Zuma anunciou a sua renúncia, o rand sul-africano disparou para um período de alta que durou três anos. No entanto, após Desalegn ter anunciado a sua decisão de demitir-se, odólar etíope caiu para um período de baixa de seis meses. Contudo, estes indicadores são apenas o início das consequências diferentes que as duas demissões tiveram para a política e para a economia dos respectivos países.

O ANC e a FDRPE, tal como muitos dos movimentos da década de 1960, deixaram de dar resposta às crescentes exigências políticas e económicas, enquanto os políticos predatórios e os seus correligionários se esconderam atrás da bandeira do partido. Porém, não obstante o sucessor de Zuma, Cyril Ramaphosa, tenha prometido “uma nova alvorada" para a África do Sul quando se dirigiu ao Parlamento poucos dias após a renúncia de Zuma, a Etiópia declarou estado de emergência na mesma altura, no contexto de preocupações generalizadas sobre se o Estado sobreviveria à disputa de poder com base étnica para suceder a Desalegn.

A diferença crucial é que a África do Sul teve líderes visionários que estavam cientes do perigo que poderia implicar um partido dominante alienado da realidade. Mandela instou alegadamente os negros sul-africanos recém emancipados ao seguinte: "Se o ANC fizer convosco o mesmo que o governo do Apartheid fez, deverão proceder com o ANC da mesma forma que fizeram com o governo do Apartheid." Este sentimento foi reflectido nos pesos e nos contrapesos democráticos consagrados pela constituição pós-Apartheid da África do Sul.

A Etiópia, no entanto, não teve tanta sorte, particularmente porque o regime actual passou a sua primeira década de mandato a apoiar a sua base de poder precária e a disputar uma guerra com a sua vizinha Eritreia. Contudo, a FDRPE piorou as circunstâncias ao subverter a constituição que ajudou a promulgar e ao aparentar não ter qualquer plano para a construção da nação para além de, supostamente, rectificar desigualdades históricas entre as comunidades étnicas (embora tenha sido bem-sucedida na promoção do crescimento económico mais célere registado pelo país na era moderna).

O indicador mais expressivo do quão distintamente as instituições democráticas dos dois países responderam à deterioração visível dos seus partidos dominantes é o recente resultado eleitoral. O ANC continuou a perder terreno eleitoral para os partidos rivais já que a sua liderança fracassou na gestão dos problemas multifacetados da África do Sul. Foi com o objectivo de evitar mais perdas eleitorais que o partido decidiu afastar Zuma.

A FDRPE, em contrapartida, transformou a Etiópia num Estado de partido único de facto. O país entrou em agitação política alguns meses após o partido reivindicar ter ganho, junto com seus aliados, todos os assentos parlamentares nas eleições de 2015. Na semana passada, as instituições democráticas da África do Sul parecem ter salvo o ANC de si próprio. É pouco provável que a Etiópia seja tenha a mesma sorte. Muito poucas balaustradas institucionais sobreviveram à negligência e à demolição activa suscitadas pela FDRPE.

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