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Remessas resilientes

CAIRO – Quando o antigo primeiro-ministro indiano, Rajiv Gandhi, foi questionado sobre os riscos da “fuga de cérebros” – a migração em grande escala e sustentada de cidadãos com boa formação de países com rendimentos mais baixos para países com rendimentos mais elevados que oferecem melhores oportunidades – terá, alegadamente, respondido: “É melhor uma fuga de cérebros do que um desperdício de cérebros”. Naquela altura, nos anos 80, as universidades indianas já estavam a formar muitos mais licenciados do que o mercado de trabalho do país conseguia incorporar e as economias desenvolvidas, principalmente os Estados Unidos, que procuravam reforçar a sua vantagem comparativa nas atividades que requerem mais competências, receberam de braços abertos esses migrantes altamente qualificados.

A análise de Gandhi revelou-se presciente: muitos destes trabalhadores, da Índia e de outros países, ajudaram a moldar a economia digital moderna, que está prestes a alargar a fragmentação organizacional e geográfica do trabalho a novos domínios. Um estudo recente concluiu que os imigrantes altamente qualificados são responsáveis por 36% da inovação nos EUA e, também, contribuem significativamente para o intercâmbio de ideias além-fronteiras, uma vez que é mais provável que recorram a tecnologias estrangeiras e colaborem com inventores estrangeiros.

A digitalização, reforçada pelas contribuições de mão de obra estrangeira qualificada, expandiu o potencial das remessas. O custo do envio de dinheiro para os membros da família no país de origem – um processo que os trabalhadores migrantes com todos os níveis de qualificação conhecem bem – tem sido tradicionalmente elevado. Mas os novos modelos de negócio digitais conseguiram pagamentos mais rápidos, maior transparência e custos mais baixos para os utilizadores, aumentando o fluxo monetário transfronteiriço em prol da melhoria do bem-estar e da estabilidade macroeconómica.

O crescimento das remessas digitais não pode ser sobrestimado. O montante de dinheiro enviado pelos trabalhadores migrantes para os respetivos familiares que vivem em países de baixo e médio rendimento (PBMR) aumentou mais de cinco vezes nas últimas duas décadas, atingindo o valor de 647 mil milhões de dólares em 2022. Atualmente, as remessas excedem mais de um quarto do PIB em vários países, complementando as frágeis redes de segurança social. Mais de metade das remessas destinam-se a habitantes de zonas rurais e cerca de 75% são utilizadas para satisfazer necessidades básicas como alimentação, habitação, despesas médicas e encargos escolares.

Estes influxos têm, também, enormes benefícios em termos de crescimento e de gestão macroeconómica. Num número crescente de PBMR, as remessas ultrapassaram o investimento direto estrangeiro e a ajuda pública ao desenvolvimento (APD) como a maior fonte de fundos externos. Estão a financiar investimentos e a mitigar o risco de paragens repentinas e de inversões dos fluxos de capitais, o que é particularmente importante à medida que a APD diminui e muitos PRMB se veem confrontados com pressões sobre a balança de pagamentos e oscilações cambiais.

Mesmo durante a pandemia de COVID-19, que abalou a economia mundial, os migrantes continuaram a enviar dinheiro para casa, tendo os fluxos para a América Latina e as Caraíbas aumentado 6,5% em 2020. E, apesar da desaceleração generalizada do crescimento em 2022, estima-se que as remessas para os PBMR tenham aumentado 8%. Isto reflete, em parte, os limitados mercados de trabalho nas economias avançadas, muitas das quais implementaram grandes medidas de estímulo fiscal e monetário para sustentar os rendimentos durante a pandemia. Além disso, a forte valorização do dólar em 2022 aumentou o valor dos influxos para os PBMR.

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A resiliência das remessas é, também, o resultado da migração internacional, que ajudou a proteger dos ventos adversos demográficos os países de alto rendimento que registam baixas taxas de fertilidade, bem como da eficácia das políticas de flexibilização quantitativa após a crise financeira de 2008 e nos anos que antecederam a pandemia. Na era da hiperglobalização, que sustentou a pressão descendente sobre os preços, estas políticas alavancaram a expansão da produção para impulsionar o crescimento dos salários.

Do mesmo modo, a passagem das remessas dos canais informais para os canais formais, juntamente com a diminuição dos custos de transferência que se seguiu à normalização dos pagamentos digitais, foi decisiva para o aumento dos fluxos transfronteiriços e constitui um bom presságio para o crescimento futuro. Um estudo da GSMA, a associação comercial mundial dos operadores móveis, concluiu que a tecnologia móvel reduz para metade os custos das remessas, enquanto um estudo da PayPal e da Xoom mostra que o custo médio da transferência de dinheiro para o país de origem desceu para os 3,93% – quase metade do custo das taxas tradicionais. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, as reduções de custos têm um impacto positivo a curto prazo nas remessas e podem mesmo gerar um acréscimo de 32 mil milhões de dólares nos influxos, se o objetivo de 3% fixado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas for atingido.

A relativamente baixa prociclicidade e volatilidade dos influxos de remessas, associada a maiores reduções de custos e a uma maior eficiência operacional, acabarão por beneficiar os PBMR. Muitos destes países estão a enfrentar custos acrescidos do serviço da dívida, principalmente tendo em conta o aumento dos spreads e a maior restritividade das condições financeiras mundiais, bem como o aumento dos níveis de pobreza exacerbado pela inflação dos preços dos produtos alimentares. O aumento previsto das remessas reforçará as reservas de divisas destes países, o que poderá ajudar a evitar uma crise da dívida.

As remessas podem, também, reduzir o risco de uma crise financeira. Os estudos demonstraram que o impacto de uma diminuição acentuada das reservas internacionais nas inversões da conta corrente torna-se menos grave quando as remessas para um país excedem 3% do PIB. Mais de 43% dos PBMR – 76 países – ultrapassaram esse limiar e parece que mais países irão juntar-se a eles. Entretanto, as remessas podem, também, estabilizar a balança de pagamentos, mantendo sob controlo os défices da conta corrente em países com uma balança comercial negativa. Estes influxos podem, assim, ajudar a promover a estabilidade macroeconómica à medida que os ambientes operacionais se tornam mais desafiantes, na era da “policrise”.

Uma fuga de cérebros será melhor do que um desperdício de cérebros? Dado o atual estado da economia mundial, a resposta é um ressonante “sim”. Para os agregados familiares com baixos rendimentos que dependem das remessas para bens de consumo básico e para os países de baixo rendimento que lutam contra duplos défices e riscos cambiais, a fuga de cérebros tem ajudado a evitar a agitação social e as crises na balança de pagamentos. Para os países de rendimento elevado que se debatem com baixas taxas de fertilidade, a migração internacional atenuou os ventos adversos demográficos e o risco de estagnação secular.

O crescimento das remessas digitais pode não compensar totalmente a perda de trabalhadores qualificados e o declínio do capital humano nos PBMR. Não obstante, os ganhos associados à fuga de cérebros e à migração internacional têm sido importantes, impulsionando a inovação e financiando o desenvolvimento a nível global.

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