rodrik229_Spencer PlattGettyImages_delivery_workers_rally_nyc Spencer Platt/Getty Images

Por que a Bidenomics não pegou nas pesquisas

CAMBRIDGE – Como presidente dos Estados Unidos, Joe Biden traçou um novo caminho econômico para os democratas, apoiando descaradamente a classe trabalhadora e introduzindo uma ampla gama de políticas industriais para revigorar a produção, reestruturar as cadeias de suprimentos e promover a transição verde. A maioria dessas novas políticas fazia sentido do ponto de vista econômico e, como muitos outros progressistas, eu também achava que faziam sentido do ponto de vista político. O que, então, explica o desempenho eleitoral decepcionante da vice-presidente Kamala Harris, em particular entre os eleitores da classe trabalhadora?

O apelo de Donald Trump, assim como o dos etnonacionalistas de direita noutros lugares, deve muito aos níveis crescentes de insegurança econômica, que muitos consideram o resultado da desregulamentação, do aumento do poder corporativo, da globalização, da desindustrialização e da automação. Como campeões tradicionais dos menos favorecidos, os partidos de centro-esquerda poderiam ter se beneficiado desses desenvolvimentos. Mas eles passaram a representar mais as elites profissionais e educadas e demoraram a mudar de rumo. Diante da percepção crescente de que haviam abandonado suas raízes na classe trabalhadora, o movimento de Biden em direção ao populismo econômico parecia ser a estratégia certa.

Uma interpretação da reeleição de Trump é que o populismo econômico foi um erro, o que implica que o Partido Democrata deveria ter se movido com mais força para o centro. Mas os esforços aparentemente infrutíferos de Harris para atrair os eleitores republicanos do meio do caminho também não tiveram muito sucesso.

Há pelo menos três outras possibilidades. A primeira é que a estratégia de Biden funcionou, mas não o suficiente para vencer a eleição. A inflação e o aumento do custo de vida produziram uma reação generalizada contra os governos em todos os lugares. Um gráfico amplamente divulgado no Financial Times mostra que os titulares ficaram aquém de sua parcela anterior de votos em todas as eleições de 2024. Em favor da Bidenomics, os democratas se saíram muito melhor em comparação.

A segunda possibilidade é que leva tempo para que novas políticas econômicas apresentem efeitos e resultem em novas coalizões políticas. A Bidenomics ainda é nova e enfrentou o desafio assustador de desalojar mais de três décadas de experiência dos eleitores com o centrismo democrata. Talvez fosse demais esperar que a retórica pró-trabalhador de Biden e os fortes números da construção industrial superassem as divisões que surgiram (e se aprofundaram) desde o governo do Presidente Bill Clinton. É preciso mais do que alguns anos de políticas econômicas bem elaboradas para engendrar um realinhamento político.

A terceira possibilidade, e a menos discutida, é que a Bidenomics foi um populismo econômico do tipo errado. Ao se concentrar na manufatura, no poder sindical e nas organizações de trabalhadores à moda antiga e na competição geopolítica com a China, ele deu pouca atenção à estrutura em transformação da economia e à natureza da nova classe trabalhadora. Numa economia em que só 8% dos trabalhadores estão empregados no setor de manufatura, uma política econômica que promete restaurar a classe média trazendo a manufatura de volta para casa não é apenas irrealista; é também oca, porque não se alinha com as aspirações e experiências cotidianas dos trabalhadores.

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Hoje, o trabalhador padrão dos EUA não está mais laminando aço ou montando carros. Em vez disso, ele ou ela é um cuidador de longo prazo, um preparador de alimentos ou alguém que administra uma pequena empresa independente (talvez por meio de trabalho temporário). Para resolver os problemas de baixos salários e condições de trabalho precárias nesses serviços, é necessária uma estratégia diferente dos incentivos à fabricação ou das tarifas de importação. Da mesma forma, a solidariedade de classe precisa ser construída de forma diferente do que por meio de apelos a sindicatos ou poder de barganha. Biden tinha a ideia certa, de acordo com essa visão, mas não conseguiu atingir os alvos certos.

Nossa nova estrutura econômica exige uma versão do século 21 da “política industrial” que foque na criação de bons empregos em serviços. Essa estratégia envolve inovações organizacionais e tecnológicas para aprimorar o trabalho em atividades de baixa remuneração e melhorar o fornecimento de insumos, como ferramentas digitais, treinamento personalizado e crédito. É possível encontrar exemplos locais e nacionais de tais iniciativas, mas elas continuam sendo de pequena escala e, em grande parte, incidentais aos programas federais.

Novas tecnologias que ajudam os trabalhadores, em vez de deslocá-los, são essenciais para esse esforço. As políticas industriais verdes demonstram que a inovação pode, de fato, ser redirecionada de atividades com uso intensivo de carbono para outras mais sustentáveis. Agora, precisamos de um impulso semelhante para políticas tecnológicas favoráveis à mão de obra, a fim de promover inovação que permita que os trabalhadores com menos de uma formação universitária realizem tarefas mais complexas em serviços de assistência e outros serviços pessoais. Ao desenvolver novas visões de especialização econômica e mobilizar os recursos necessários, as coalizões intersetoriais, muitas vezes lideradas por órgãos públicos, podem promover a criação de empregos locais em regiões que foram marcadas pelo desemprego de longo prazo.

Vale a pena observar que, numa pesquisa feita antes da eleição, os eleitores hispânicos do Texas disseram que seu maior problema com os democratas é que eles são “o partido dos benefícios sociais para pessoas que não trabalham”. Embora as transferências sociais para os pobres - aqueles que não podem trabalhar ou enfrentam desemprego temporário - sejam uma parte necessária e integral do estado de bem-estar social contemporâneo, os partidos de esquerda não podem se permitir ser definidos exclusivamente nesses termos. Eles precisam ser vistos como defensores daqueles que querem contribuir para sua comunidade por meio de um trabalho decente e como facilitadores para aqueles que enfrentam obstáculos para fazer isso.

A reconexão do Partido Democrata às suas raízes deve começar com o reconhecimento de que a classe trabalhadora de hoje mudou e tem necessidades diferentes. O fornecimento de seguro social e o poder compensatório contra os interesses empresariais sempre continuarão sendo elementos importantes da esquerda progressista. Mas essas metas devem ser ampliadas com um conjunto renovado de políticas de “bons empregos” que não fetichizem a manufatura nem a vejam pelas lentes da competição geopolítica com a China.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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