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Como fazer com que a fixação de preços do carbono funcione em África

RABAT – A fixação de preços do carbono é um instrumento crucial da política climática. A atribuição de um valor monetário às emissões de gases com efeito de estufa cria incentivos para que as empresas emitam menos e gera receitas que podem ser gastas no desenvolvimento sustentável. Mais de 70 jurisdições em todo o mundo já implementaram impostos sobre o carbono ou sistemas de comércio de emissões, como forma de conciliar o crescimento económico com os objetivos climáticos.

A comunidade internacional concentrou-se recentemente no reforço dos quadros dos mercados globais de carbono. Na Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP29), realizada no ano passado em Baku, no Azerbaijão, os países finalizaram as negociações sobre o artigo 6.º do Acordo de Paris sobre o clima, que tem por objetivo normalizar esses mercados. Isto envolveu a adoção de regras para facilitar a cooperação transfronteiriça em projetos de redução de emissões.

Embora a transparência e a responsabilização proporcionadas por estas regras irão, quase de certeza, criar confiança nos mercados de carbono, um quadro normalizado apresenta alguns riscos para África. Designadamente, poderia não responder às necessidades do continente, exacerbando a desigualdade e impedindo o desenvolvimento. Cerca de 600 milhões de africanos ainda não têm acesso à eletricidade, ao passo que a biomassa representa 45% do fornecimento de energia do continente, deixando as famílias rurais e de baixos rendimentos particularmente vulneráveis a políticas de fixação de preços do carbono que não estão adaptadas às realidades socioeconómicas e ambientais únicas de África.

Um imposto fixo sobre o carbono, por exemplo, que não seja acompanhado de subsídios específicos, investimento governamental e financiamento internacional, poderia sobrecarregar desproporcionadamente as famílias rurais e de baixos rendimentos, mantendo-as na pobreza e dificultando os esforços de eletrificação. A mudança para as energias renováveis exige uma despesa inicial significativa em infraestruturas e o preço do carbono tem de ser estruturado de modo a facilitar, e não a impedir, essa transição.

Além disso, África é extremamente vulnerável aos choques climáticos, como demonstram as secas recorrentes no Sahel e as inundações catastróficas em Moçambique. Os países africanos perdem, em média, 2-5% do PIB por ano devido às alterações climáticas e muitos desviam até 9% do seu orçamento anual para dar resposta a fenómenos meteorológicos extremos, o que coloca uma grande pressão nas suas economias.

Para adaptar os modelos de fixação de preços do carbono às realidades de África, os governantes devem impulsionar o reinvestimento estratégico de quaisquer receitas resultantes em setores essenciais como a educação, os cuidados de saúde e as energias renováveis. Na África do Sul, as receitas do imposto sobre o carbono do país foram canalizadas para projetos de energia limpa, expandindo o acesso à energia solar em regiões carenciadas. Esta “reciclagem de receitas” atenua os efeitos regressivos da tarifação do carbono, ao mesmo tempo que combate a pobreza energética e promove o desenvolvimento inclusivo.

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A implementação faseada de modelos de fixação de preços do carbono, com preços inicialmente modestos, permitiria aos países africanos adaptarem-se gradualmente às exigências de uma economia verde, sem asfixiar o crescimento. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento lento e constante de quadros de medição, comunicação e verificação facilitaria a identificação e retificação de erros, resultando em sistemas mais robustos e fiáveis. Esta abordagem minimiza os choques económicos frequentemente associados a transições abruptas, oferecendo uma via prática para o desenvolvimento sustentável.

As parcerias público-privadas são uma ferramenta poderosa para mobilizar investimentos em tecnologia verde e projetos de créditos de carbono, e para alinhar objetivos ambientais e sociais. Por exemplo, a iniciativa de cozinha limpa do Ruanda, que utiliza a experiência e o financiamento do setor privado para distribuir fogões eficientes, reduziu as emissões e melhorou os resultados em termos de saúde para as famílias rurais.

É igualmente importante tirar partido das soluções baseadas na natureza. As florestas tropicais, as zonas húmidas e as terras turfosas de África armazenam grandes quantidades de carbono, sendo que só a Bacia do Congo detém mais de 30 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono. Estes ativos poderiam gerar créditos de carbono de alta qualidade, que atrairiam financiamento internacional e preservariam ecossistemas vitais. No âmbito da Iniciativa Florestal Centro-Africana (CAFI, na sigla em inglês), organizada pela ONU e com vários doadores, o programa pioneiro de créditos de carbono do Gabão conservou grandes porções das suas florestas. Como resultado, o Gabão garantiu um compromisso de 150 milhões de dólares ao longo de dez anos através de um acordo de 2019 com a CAFI.

Embora a fixação de preços do carbono tenha um imenso potencial para responder às necessidades de África em matéria de clima e desenvolvimento, subsistem obstáculos à sua implementação. Superar esses obstáculos exigirá intervenções cuidadosamente orientadas. Para começar, as fragilidades institucionais podem prejudicar uma medição, comunicação e verificação sólidas, que são essenciais para garantir a credibilidade e atrair o investimento. Organizações internacionais como o Programa das Nações Unidas para o Ambiente e o Banco Mundial poderiam ajudar na operacionalização dos mecanismos de fixação de preços do carbono nos países africanos, fornecendo formação técnica e apoiando o desenvolvimento das infraestruturas necessárias.

Garantir a aceitação social dos preços do carbono é outro desafio para os países africanos. Uma vez que estas políticas podem desencadear uma reação pública negativa se forem consideradas injustas, ou mesmo mal explicadas, os governos têm de ser transparentes quanto ao reinvestimento das receitas que geram. É também possível que esses fundos não consigam satisfazer as necessidades energéticas e de infraestruturas de África e, neste caso, as ferramentas complementares como as obrigações verdes, os mecanismos de financiamento misto e o financiamento internacional do clima podem ajudar a colmatar a lacuna.

Um mercado de carbono pan-africano, coordenado através de instituições como a Zona de Comércio Livre Continental Africana, poderia consolidar os esforços nacionais fragmentados numa plataforma unificada. Um mercado desse tipo reduziria as barreiras à entrada para as economias mais pequenas, simplificaria as normas e atrairia o investimento internacional. Também reforçaria o papel de África na promoção de soluções climáticas baseadas na natureza, permitindo ao continente reduzir as emissões globais e apoiar as comunidades locais.

Enquanto o mundo se prepara para a COP30 em Belém, Brasil, os países africanos têm a oportunidade de defender mecanismos equitativos de fixação de preços do carbono que alinhem a ação climática com o desenvolvimento sustentável. Embora a redução das emissões seja importante, também é importante garantir a justiça e a equidade para as comunidades mais vulneráveis às alterações climáticas.

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