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A eleição americana sobre o clima

TÓQUIO - Todas as eleições presidenciais nos EUA são importantes, mas os eleitores americanos enfrentam uma decisão de peso incomum em 2024. O resultado terá implicações para a política externa dos EUA, para a política social e para a integridade do próprio sistema político. Mas nenhuma das suas consequências será mais profunda ou de maior alcance do que os esforços globais para combater as mudanças climáticas.

Enquanto presidente, Donald Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o clima, enquanto o presidente Joe Biden voltou a aderir ao mesmo. Trump prometeu expandir a produção de petróleo e gás e a sua campanha prometeu retirar novamente os EUA do Acordo de Paris se ganhar um segundo mandato.

Em contrapartida, a vice-presidente Kamala Harris, a candidata democrata, apoiou o Green New Deal, um plano ambicioso do Congresso para combater as alterações climáticas, enquanto servia no Senado em 2019. No cargo de procuradora-geral da Califórnia, investigou a indústria petrolífera, assegurando um acordo com uma subsidiária da British Petroleum por rupturas em tanques de gás subterrâneos, bem como acusações contra um operador de oleodutos sediado no Texas por uma fuga de petróleo prejudicial para o ambiente.

É evidente que as posições dos dois candidatos em relação à crise climática não podiam ser mais diferentes.

Mas pode-se perguntar: o que há de tão catastrófico no fato de um Trump recém-reeleito retirar os EUA do acordo de Paris uma segunda vez, se o próximo presidente pode, como Biden, simplesmente voltar a aderir ao acordo? De fato, os assessores de Trump estão cientes dessa possibilidade. Eles estão alegadamente redigindo os decretos que retirariam os EUA não só do acordo climático de Paris, mas também da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a base sobre a qual o acordo de Paris foi construído.

A reversão desse passo exigiria então a aprovação do Senado dos EUA. E a aprovação do Senado não pode ser considerada algo garantido, dada a ampla representação nessa câmara dos Estados ricos em petróleo e gás.

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Além disso, uma presidência Trump colocaria em risco outros acordos climáticos bilaterais, existentes e potenciais. Hoje, um possível acordo climático entre os EUA e a União Europeia, destinado a conciliar as diferentes abordagens das respectivas economias em matéria de controle das emissões de gases do efeito estufa, encontra-se em suspenso, em função da proximidade das eleições nos EUA.

A UE combinou os seu sistema de permissões de teto-e-comércio com um Mecanismo de Ajustamento de Carbono nas Fronteiras(Carbon Border Adjustment Mechanism - CBAM, na sigla original em inglês) - de fato, um imposto sobre o equivalente ao teor de carbono das importações de países que não conseguem pôr um preço adequado nas emissões. Uma vez que o preço do carbono não tem qualquer hipótese de arranque no Congresso dos EUA, o governo Biden avançou com subsídios para a produção de aço, alumínio e outros produtos com baixo teor de carbono.

É pouco provável que Trump persista nos subsídios favoráveis ao clima e muito menos nas negociações. A UE aplicaria então o seu CBAM às exportações dos EUA na íntegra. O resultado inevitável seria uma retaliação por parte dos EUA.

Além disso, no fim do ano passado, EUA e China negociaram com sucesso a Declaração de Sunnylands, firmando seu compromisso de trabalhar em conjunto para combater as mudanças climáticas. Este compromisso assumido pelas duas maiores economias do mundo no sentido de limitarem as emissões baseou-se, no caso de cada país, na vontade do outro de fazer o mesmo. É significativo que a China tenha concordado, pela primeira vez, em acrescentar aos seus acordos anteriores gases com efeito de estufa não-carbônicos - incluindo o metano, o óxido nitroso e os hidrofluorocarbonetos usados na fabricação de aparelhos de ar condicionado.

Trump, é óbvio, tem insistido que a China "engana" seus parceiros internacionais. Se os EUA não cumprissem seus compromissos em matéria de clima, a China teria todos os incentivos para fazer o mesmo. E a proposta de Trump de 60% de tarifas sobre todas as importações da China seria outro prego no caixão de Sunnylands.

Harris, por outro lado, procuraria revigorar estas negociações, pelo menos se seu apoio ao Green New Deal servir de base. Mas ela também poderia fazer mais. Poderia demonstrar sua independência em relação ao seu antecessor, eliminando as tarifas punitivas de Biden sobre as importações de veículos eléctricos chineses, baterias de íon de lítio e painéis solares (que também abrangem equipamento solar produzido por empresas chinesas na Malásia, Camboja, Tailândia e Vietname).

Vários argumentos são apresentados para estas tarifas. Asseguram as cadeias de abastecimento nacionais. Compensam os subsídios chineses injustos e o dumping. Dão tempo às fábricas americanas para diminuírem suas curvas de aprendizagem de produção e reduzirem os custos em setores-chave que, de outro modo, seriam dominados por um rival estratégico. Têm a esperança de criar mais postos de trabalho na indústria transformadora.

São objetivos louváveis. Mas têm o custo de impedir a adaptação às alterações climáticas e a redução das emissões. A exclusão dos econômicos veículos elétricos chineses incentiva as montadoras americanas a manterem os motores de combustão interna. A tributação dos painéis solares chineses desencoraja as famílias americanas a instalarem painéis elétricos leves e acopláveis em suas varandas, como fazem os alemães.

Assim, a presidente Harris enfrentaria um dilema. Teria de decidir se daria prioridade aos empregos na indústria transformadora nacional e à independência econômica da China em detrimento da luta contra as mudanças climáticas. Não há como evitar essa troca. Mas este é o tipo de questão que presidentes são eleitos para decidir.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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