ABIDJAN – No final da década de 1980, a liberalização política estendeu-se por toda a África, indicando aparentemente que era a vez de o continente embarcar na inexorável marcha da história em direção à democracia. Alguns comentadores argumentaram que, ao aumentar a legitimidade dos governos africanos, a reforma política contribuiu para o subsequente declínio dos golpes militares.
Mas desde o início de 2021, uma série de ocupações militares na África Ocidental e Central – Chade, Mali, Guiné e Burkina Faso, bem como uma recente tentativa de golpe na Guiné-Bissau – fez, aparentemente, o relógio andar para trás. As organizações internacionais e regionais defendem rotineiramente a democratização e condenam os golpes. Mas os desenvolvimentos recentes devem levar à reflexão sobre se é suficiente promover a democratização como a única solução para os Estados frágeis.
Em particular, a recente onda de golpes destaca a fragilidade da democratização nos países que estão num estágio inicial de desenvolvimento económico e, talvez mais importante, enfrentam grandes desafios de segurança.
Os protestos populares que estalaram em muitas zonas de África, em 2021, refletiram em parte a crescente alienação dos jovens que aspiram a melhores condições de vida e oportunidades económicas. As redes sociais tornaram os jovens africanos cada vez mais conscientes da precariedade da sua situação, em relação aos seus pares noutros lugares, alimentando queixas sobre má governação, crescente insegurança e deterioração das condições económicas. Muitos jovens africanos perdem a vida quando embarcam numa jornada perigosa para a Europa, num esforço para escapar das restrições que enfrentam nos seus países.
Significativamente, os golpes militares ocorreram contra o cenário de fracasso dos governos civis em acabar com o terrorismo. A intervenção militar liderada pela OTAN [NATO] em 2011, na Líbia, continua a ensombrar de forma duradoura a segurança no Sahel. E as crescentes preocupações de segurança das populações dessa região e noutras partes de África que foram atingidas por ataques terroristas fazem com que o foco exclusivo na democratização pareça ingénuo.
Além de causar perda de vidas, esses ataques conduziram à deslocação das populações, inclusive através de fronteiras que permanecem porosas em algumas partes do continente. O custo económico do terrorismo em África, em termos de perda de rendimento e redução de investimentos, é estimado em mais de 10 mil milhões de dólares por ano, agravando as dificuldades das populações vulneráveis e testando severamente a capacidade dos governos civis de cumprir as metas de desenvolvimento.
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Além disso, em vários países africanos, os militares reclamaram que a corrupção desenfreada está a privá-los dos recursos necessários para combater as insurgências. De acordo com uma sondagem de opinião da rede de investigação Afrobarometer, 65% dos africanos acham que os governos do continente fazem um péssimo trabalho no combate à corrupção.
Além de uma maior experiência em segurança, os oficiais militares às vezes também são distinguidos como sendo mais disciplinados do que as elites políticas civis corruptas. Mas embora os inquéritos mostrem que os africanos têm tendência a confiar nos militares, eles rejeitam o regime militar. O envolvimento anterior dos líderes militares na política tornou-se muitas vezes enraizado, devido aos alugueres de terras, petróleo, exploração mineira ou telecomunicações. E acabar com o regime militar geralmente é muito mais difícil do que derrubar um governo civil numas eleições.
Um outro fator de complicação é o envolvimento estrangeiro generalizado no setor da segurança de África, inclusive por parte de antigas potências coloniais como a França e o Reino Unido. As forças estrangeiras que estabeleceram bases militares no continente ou assinaram acordos para combater insurgências têm despertado cada vez mais a hostilidade de jovens nacionalistas. Muitos líderes africanos jogaram um jogo populista apelando para tais sentimentos, embora alguns, como os líderes destituídos de Burkina Faso e da Guiné, tenham perdido legitimidade por causa da sua incapacidade de resolver problemas de governação – inclusive no setor da segurança.
Novos atores adquiriram importância, como a Rússia, ao auxiliarem os governos africanos na luta contra insurgências ou guerras. É provável que essa ajuda virá, também, com restrições. Mas embora muitos questionem a sustentabilidade de um modelo de segurança regional onde atores estrangeiros substituem atores nacionais, o envolvimento militar na política não é a resposta.
A crescente frequência de golpes militares é um sintoma das deficiências da democratização nos países mais pobres de África, onde as eleições não conseguiram produzir governos legítimos capazes de proporcionar segurança e desenvolvimento. Quando as instituições são ineficazes, as eleições por si só não conseguem responsabilizar os líderes.
Para que a democracia tenha hipótese, ela precisa de ser muito mais prescritiva em termos de melhorias proporcionais na capacidade dos governos de garantir a segurança e o desenvolvimento. E o verdadeiro teste de liderança benevolente está na sua ligação à meritocracia, para que a capacidade dos países de dar resposta às necessidades e preferências dos seus cidadãos melhore com o tempo.
Para terem sucesso, as democracias africanas têm de combinar altos padrões meritocráticos com estruturas baseadas em resultados. As democracias parlamentares não estão entre os países de África que vivenciaram golpes e as suas instituições políticas permitem-lhes obter um apoio público para um foco renovado nos resultados, talvez através de indicadores de desempenho pré-acordados que sejam transmitidos de forma transparente aos cidadãos. A menos e até que os países africanos adotem uma estratégia desse género, a onda de golpes no continente continuará a aumentar.
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Since Plato’s Republic 2,300 years ago, philosophers have understood the process by which demagogues come to power in free and fair elections, only to overthrow democracy and establish tyrannical rule. The process is straightforward, and we have now just watched it play out.
observes that philosophers since Plato have understood how tyrants come to power in free elections.
Despite being a criminal, a charlatan, and an aspiring dictator, Donald Trump has won not only the Electoral College, but also the popular vote – a feat he did not achieve in 2016 or 2020. A nihilistic voter base, profit-hungry business leaders, and craven Republican politicians are to blame.
points the finger at a nihilistic voter base, profit-hungry business leaders, and craven Republican politicians.
ABIDJAN – No final da década de 1980, a liberalização política estendeu-se por toda a África, indicando aparentemente que era a vez de o continente embarcar na inexorável marcha da história em direção à democracia. Alguns comentadores argumentaram que, ao aumentar a legitimidade dos governos africanos, a reforma política contribuiu para o subsequente declínio dos golpes militares.
Mas desde o início de 2021, uma série de ocupações militares na África Ocidental e Central – Chade, Mali, Guiné e Burkina Faso, bem como uma recente tentativa de golpe na Guiné-Bissau – fez, aparentemente, o relógio andar para trás. As organizações internacionais e regionais defendem rotineiramente a democratização e condenam os golpes. Mas os desenvolvimentos recentes devem levar à reflexão sobre se é suficiente promover a democratização como a única solução para os Estados frágeis.
Em particular, a recente onda de golpes destaca a fragilidade da democratização nos países que estão num estágio inicial de desenvolvimento económico e, talvez mais importante, enfrentam grandes desafios de segurança.
Os protestos populares que estalaram em muitas zonas de África, em 2021, refletiram em parte a crescente alienação dos jovens que aspiram a melhores condições de vida e oportunidades económicas. As redes sociais tornaram os jovens africanos cada vez mais conscientes da precariedade da sua situação, em relação aos seus pares noutros lugares, alimentando queixas sobre má governação, crescente insegurança e deterioração das condições económicas. Muitos jovens africanos perdem a vida quando embarcam numa jornada perigosa para a Europa, num esforço para escapar das restrições que enfrentam nos seus países.
Significativamente, os golpes militares ocorreram contra o cenário de fracasso dos governos civis em acabar com o terrorismo. A intervenção militar liderada pela OTAN [NATO] em 2011, na Líbia, continua a ensombrar de forma duradoura a segurança no Sahel. E as crescentes preocupações de segurança das populações dessa região e noutras partes de África que foram atingidas por ataques terroristas fazem com que o foco exclusivo na democratização pareça ingénuo.
Além de causar perda de vidas, esses ataques conduziram à deslocação das populações, inclusive através de fronteiras que permanecem porosas em algumas partes do continente. O custo económico do terrorismo em África, em termos de perda de rendimento e redução de investimentos, é estimado em mais de 10 mil milhões de dólares por ano, agravando as dificuldades das populações vulneráveis e testando severamente a capacidade dos governos civis de cumprir as metas de desenvolvimento.
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Além disso, em vários países africanos, os militares reclamaram que a corrupção desenfreada está a privá-los dos recursos necessários para combater as insurgências. De acordo com uma sondagem de opinião da rede de investigação Afrobarometer, 65% dos africanos acham que os governos do continente fazem um péssimo trabalho no combate à corrupção.
Além de uma maior experiência em segurança, os oficiais militares às vezes também são distinguidos como sendo mais disciplinados do que as elites políticas civis corruptas. Mas embora os inquéritos mostrem que os africanos têm tendência a confiar nos militares, eles rejeitam o regime militar. O envolvimento anterior dos líderes militares na política tornou-se muitas vezes enraizado, devido aos alugueres de terras, petróleo, exploração mineira ou telecomunicações. E acabar com o regime militar geralmente é muito mais difícil do que derrubar um governo civil numas eleições.
Um outro fator de complicação é o envolvimento estrangeiro generalizado no setor da segurança de África, inclusive por parte de antigas potências coloniais como a França e o Reino Unido. As forças estrangeiras que estabeleceram bases militares no continente ou assinaram acordos para combater insurgências têm despertado cada vez mais a hostilidade de jovens nacionalistas. Muitos líderes africanos jogaram um jogo populista apelando para tais sentimentos, embora alguns, como os líderes destituídos de Burkina Faso e da Guiné, tenham perdido legitimidade por causa da sua incapacidade de resolver problemas de governação – inclusive no setor da segurança.
Novos atores adquiriram importância, como a Rússia, ao auxiliarem os governos africanos na luta contra insurgências ou guerras. É provável que essa ajuda virá, também, com restrições. Mas embora muitos questionem a sustentabilidade de um modelo de segurança regional onde atores estrangeiros substituem atores nacionais, o envolvimento militar na política não é a resposta.
A crescente frequência de golpes militares é um sintoma das deficiências da democratização nos países mais pobres de África, onde as eleições não conseguiram produzir governos legítimos capazes de proporcionar segurança e desenvolvimento. Quando as instituições são ineficazes, as eleições por si só não conseguem responsabilizar os líderes.
Para que a democracia tenha hipótese, ela precisa de ser muito mais prescritiva em termos de melhorias proporcionais na capacidade dos governos de garantir a segurança e o desenvolvimento. E o verdadeiro teste de liderança benevolente está na sua ligação à meritocracia, para que a capacidade dos países de dar resposta às necessidades e preferências dos seus cidadãos melhore com o tempo.
Para terem sucesso, as democracias africanas têm de combinar altos padrões meritocráticos com estruturas baseadas em resultados. As democracias parlamentares não estão entre os países de África que vivenciaram golpes e as suas instituições políticas permitem-lhes obter um apoio público para um foco renovado nos resultados, talvez através de indicadores de desempenho pré-acordados que sejam transmitidos de forma transparente aos cidadãos. A menos e até que os países africanos adotem uma estratégia desse género, a onda de golpes no continente continuará a aumentar.