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Fim à Guerra de Atrito na Ucrânia

NOVAYORK – As guerras muitas vezes eclodem e persistem por causa dos erros de cálculo dos dois lados em relação ao seu poder relativo. No caso da Ucrânia, a Rússia cometeu um grave erro ao subestimar a determinação dos ucranianos de lutar e a eficácia do armamento fornecido pela OTAN. No  entanto, a Ucrânia e a OTAN também estão superestimando sua capacidade de derrotar a Rússia no campo de batalha. O resultado é uma guerra de atrito que cada lado acredita que vai ganhar, mas que ambos os lados vão perder. A Ucrânia deveria intensificar a busca por uma paz negociada do tipo que estava na mesa no final de março, mas que depois abandonou após a evidência das atrocidades russas em Bucha – e talvez devido à mudança de percepção de suas perspectivas militares.

Os termos de paz em discussão no final de março exigiam a neutralidade da Ucrânia, apoiada por garantias de segurança e um cronograma para abordar controversas questões, como o status da Crimeia e de Donbas. Negociadores russos e ucranianos afirmaram que houve progresso nas negociações, assim como os mediadores turcos. As negociações então entraram em colapso após os relatórios de Bucha, tendo o negociador da Ucrânia afirmado que “a sociedade ucraniana agora está muito mais negativa sobre qualquer conceito de negociação que diga respeito à Federação Russa”.

Mas o argumento para as negociações permanece urgente e avassalador. A alternativa não é a vitória da Ucrânia, mas uma devastadora guerra de desgaste. Para chegar a um acordo, ambos os lados precisam recalibrar suas expectativas.

Quando atacou a Ucrânia, a Rússia claramente esperava uma vitória rápida e fácil. A Rússia subestimou muito a modernização das forças armadas da Ucrânia após anos de apoio e treinamento militar dos EUA, britânicos e outros desde 2014. Além disso, a Rússia subestimou a extensão em que a tecnologia militar da OTAN atuaria contra o maior número de tropas da Rússia. Sem dúvida, o maior erro da Rússia foi supor que os ucranianos não lutariam – ou talvez até mudassem de lado.

No entanto, agora a Ucrânia e seus apoiadores ocidentais estão superestimando as chances de derrotar a Rússia no campo de batalha. A ideia de que o exército russo esteja prestes a entrar em colapso é uma ilusão. A Rússia tem capacidade militar para destruir a infraestrutura ucraniana (como as linhas ferroviárias agora sob ataque) e para conquistar e manter território na região de Donbas e na costa do Mar Negro. Os ucranianos estão lutando resolutamente, mas é altamente improvável que eles possam forçar uma derrota russa.

Nem as sanções financeiras ocidentais, que são muito menos abrangentes e eficazes do que os governos que as impuseram, reconhecem. As sanções dos EUA contra a Venezuela, Irã, Coréia do Norte e outros não mudaram a política desses regimes, e as sanções contra a Rússia já estão muito aquém do alarde com que foram introduzidas. A exclusão dos bancos russos do sistema de pagamentos internacionais SWIFT não era a “opção nuclear” que muitos alegavam. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, a economia da Rússia se contrairá em cerca de 8,5% em 2022 – ruim, mas dificilmente catastrófica.

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Além disso, as sanções estão criando sérias consequências econômicas para os Estados Unidos e especialmente para a Europa. A inflação dos EUA está em alta de 40 anos e provavelmente persistirá por causa dos trilhões de dólares de liquidez que foram criados pelo Federal Reserve nos últimos anos. Ao mesmo tempo, as economias dos EUA e da Europa estão desacelerando, talvez até se contraindo, à medida que proliferam as interrupções na cadeia de suprimentos.

O situação política interna do presidente dos EUA, Joe Biden, é fraca e provavelmente enfraquecerá ainda mais à medida que as dificuldades econômicas aumentarem nos próximos meses. O apoio público à guerra também provavelmente diminuirá à medida que a economia piorar. O Partido Republicano está dividido sobre a guerra, com a facção de Trump não muito interessada em confrontar a Rússia sobre a Ucrânia. Os democratas também vão se ressentir cada vez mais da estagflação que provavelmente custará ao partido sua maioria em uma ou ambas as casas do Congresso nas eleições de meio de mandato em novembro.

As consequências econômicas adversas do regime de guerra e sanções também atingirão terríveis proporções em dezenas de países em desenvolvimento que dependem de importações de alimentos e energia. Turbulências econômicas nesses países levarão a apelos urgentes em todo o mundo para acabar com a guerra e o regime de sanções.

Enquanto isso, a Ucrânia continua a sofrer terrivelmente em termos de mortes, deslocamentos e destruição. O FMI agora prevê uma contração de 35% da economia da Ucrânia em 2022, refletindo a brutal destruição de moradias, fábricas, linhas ferroviárias, armazenamento de energia e capacidade de transmissão e outras infraestruturas vitais.

O mais perigoso de tudo é que, enquanto a guerra continuar, o risco de uma escalada nuclear é real. Se as forças convencionais da Rússia fossem realmente levadas à derrota, como os EUA estão querendo agora, a Rússia poderia contra-atacar com armas nucleares táticas. Aviões americanos ou russos poderiam ser abatidos pelo inimigo enquanto sobrevoam o Mar Negro, o que, por sua vez, poderia levar a um conflito militar direto. A mídia relata que os EUA têm forças secretas naquela área e a divulgação da comunidade de inteligência dos EUA de que ajudou a Ucrânia a eliminar generais russos e afundar a nau capitânia da Rússia no Mar Negro, ressaltam o perigo.

A realidade da ameaça nuclear significa que ambos os lados nunca deveriam abrir mão da possibilidade de negociações. Essa é a lição central da crise dos mísseis cubanos que completará 60 anos no próximo mês de outubro. O presidente John F. Kennedy salvou o mundo negociando o fim da crise – concordando que os EUA nunca mais invadiriam Cuba e que os EUA retirariam seus mísseis da Turquia em troca da retirada dos mísseis soviéticos de Cuba. Isso não foi ceder à chantagem nuclear soviética. Isso foi Kennedy sabiamente evitando o Armagedom.

Ainda é possível estabelecer a paz na Ucrânia com base nos parâmetros que estavam na mesa no final de março: neutralidade, garantias de segurança, estrutura para abordar a Crimeia e o Donbas e a retirada russa. Este continua sendo o único caminho realista e seguro para a Ucrânia, a Rússia e o mundo. O mundo se uniria em um acordo desses e, para sua própria sobrevivência e bem-estar, a Ucrânia também deveria.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

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